quarta-feira, novembro 29, 2006

A Divulgação do Planeamento Fiscal



O Partido Socialista avançou com uma proposta de alteração ao Orçamento de Estado para 2007 no sentido de autorizar o Governo a tornar obrigatória a divulgação do planeamento fiscal em todos os sectores de actividade.
Entendemos que esta proposta “vê a árvore sem vislumbrar a floresta”, o que suscita desde logo duas questões:
1.º - Será legítima a obrigatoriedade de tal divulgação?
2. º - Poderá essa divulgação ser imposta a todos os sectores de actividade?

Vejamos :

1. - A legitimidade da obrigação de divulgação

Antes de mais convirá distinguir planeamento fiscal legítimo e planeamento fiscal ilegítimo.
Assim, como ensina o Professor Saldanha Sanches (“Os limites do Planeamento Fiscal”, Coimbra, 2006, p.21) «O planeamento fiscal (legítimo) consiste numa técnica de redução da carga fiscal pela qual o sujeito passivo renuncia a um certo comportamento por este estar ligado a uma obrigação tributária ou escolhe, entre as várias soluções que lhe são proporcionadas pelo ordenamento jurídico, aquela que, por acção intencional ou omissão do legislador fiscal, está acompanhada de menos encargos fiscais. O planeamento fiscal ilegítimo consiste em qualquer comportamento de redução indevida, por contrariar princípios ou regras do ordenamento jurídico-tributário, das ordenações fiscais de um determinado sujeito passivo».
De entre as várias soluções ao seu alcance, o contribuinte escolherá naturalmente a menos onerosa do ponto de vista fiscal.
Têm-se designado como “elisão fiscal” ou “fraude à lei fiscal” os comportamentos que se concretizam em contornar a lei fiscal sem violar expressamente a mesma.
Estes comportamentos, não são desejados pelo legislador por manifestamente pretenderem “ladear o ordenamento jurídico- tributário para conseguir um objectivo oposto aos valores que o estruturam”. (J.L. Saldanha Sanches, idem).
Por nós, entendemos que essas escolhas, determinadas pelo escopo de economia de imposto, se não infringem a lei fiscal então respeitam os princípios que regem o sistema tributário.
Assim é desde logo porque o comportamento tido como elisivo insere-se no campo da liberdade do contribuinte, resultando da livre disponibilidade económica das pessoas singulares e colectivas fundada no próprio princípio do Estado Fiscal.
O nosso ordenamento jurídico-fiscal tem por baseado o princípio da legalidade fiscal, pelo que se a lei expressamente não estabelece uma regra de incidência (seja ela objectiva ou subjectiva), deixa espaço para que o contribuinte actue livremente.
Poderá então obter-se aforro quando, por exemplo, o contribuinte celebre negócios jurídicos fiscalmente menos onerosos, resultando essa poupança do facto de apenas serem sujeitos a tributação os actos ou negócios expressamente previstos na lei.
Acresce que em matéria fiscal está vedada a interpretação extensiva e a integração analógica (art. 11.º LGT), o que sucede por obediência ao principio da legalidade e tipicidade fiscais. Com efeito, perante uma lacuna está vedada aos aplicadores da lei (administração e tribunais) a colmatação da mesma, uma vez que tal equivaleria a regular uma determinada situação tributária – tarefa que constitui reserva relativa da Assembleia da República.
Destarte, se da letra da lei não resultar expressamente a tributação de determinado facto sobre o mesmo não poderá recair imposto e, consequentemente, será obtida a correspondente poupança fiscal .
É irrelevante nesta sede invocar qualquer dever moral de pagamento de impostos como forma de contribuir para a angariação de receitas destinadas à prossecução do bem comum.
Aliás, tendo em consideração que o nosso ordenamento jurídico estatui a prerrogativa de resistência contra o pagamento impostos que não sejam criados nos termos da Constituição, os contribuintes, actuando dentro da lei, terão a liberdade de dirigir a sua vida e os seus negócios da forma que melhor entenderem.
Encontram-se, obviamente, fora desta alea os comportamentos abusivos, os quais pressupõe um abuso da referida liberdade de que os contribuintes gozam de configurar economicamente a sua vida. Exige-se, de resto, que esses comportamentos abusivos sejam levados a cabo “por meios artificiosos ou fraudulentos” (art. 38.º Lei Geral Tributária).
Não devemos todavia concluir para além do que permite o princípio subjacente à norma referida, pois que mais não se trata aqui do que a consagração em matéria fiscal do “abuso de direito” estabelecido no artigo 334.º do Código Civil.
Bem se entende que o Estado tenha o maior interesse em conhecer o Planeamento Fiscal que é efectuado pelos contribuintes.
Quando se fala aqui de planeamento fiscal obviamente que se trata apenas do planeamento fiscal “legítimo”, pois que quanto ao ilegítimo dúvidas não restam que, tratando-se de comportamentos marginais, os mesmos jamais seriam divulgados pelos prevaricadores.
A divulgação do planeamento fiscal legítimo reveste-se de particular interesse para o Estado uma vez que, como vimos, corresponde frequentemente a situações de “aproveitamento” de lacunas na lei fiscal.
Não pode deixar de notar-se que a obrigatoriedade de tal divulgação traduz-se, quanto a nós, numa excessiva ingerência do Estado na esfera jurídica dos contribuintes e num considerável recuo quanto a soluções tomadas no passado.
Com efeito, na sua formulação inicial, a cláusula geral anti-abuso do art. 38º nº 2 LGT era mais geral que aquela que se encontra actualmente em vigor.
Estabelecia-se então que «São ineficazes os actos ou negócios jurídicos quando se demonstre que foram realizados com o único ou principal objectivo de redução ou eliminação dos impostos que seriam devidos em virtude de actos ou negócios jurídicos de resultado económico equivalente, caso em que a tributação recai sobre estes últimos.».
Era uma cláusula demasiado aberta e que, por isso, conferia poderes excessivos à administração tributária violando, da mesma sorte, o princípio da livre disponibilidade económica.
Com apoio nessa cláusula a Administração considerava ineficazes os actos e negócios jurídicos que fossem realizados com o propósito de reduzir ou afastar a tributação.
Nesta sede não podemos olvidar que há variadíssimos actos e negócios jurídicos das empresas que se encontram nestas condições, uma vez que em termos de política de gestão empresarial não pode deixar de tomar-se em consideração as actuações que impliquem menores custos fiscais.
Por esse motivo alguma Doutrina, entre a qual destacamos o Prof. Diogo Leite de Campos, defende, quanto a nós com propriedade, que a cláusula geral anti-abuso tal como se encontra formulada hoje é, ainda assim, inconstitucional.
Nota-se, agora, com as propostas e opções que têm vindo a ser veiculadas no âmbito do OE 2007 um significativo avanço em direcção ao que poderemos qualificar como “Estado de Polícia Fiscal”.
É que a liberdade de actuação dos contribuintes não poderá deixar de contemplar o aforro fiscal, pelo que qualquer constrangimento ou ingerência por parte do Estado no planeamento fiscal (legítimo) dos contribuintes deverá ser sempre considerada ilegítima e até inconstitucional.

2. – A obrigatoriedade de divulgação a todos os sectores

Resulta ainda da proposta em análise a extensão da obrigatoriedade de divulgação do planeamento fiscal a todos os sectores de actividade, o que desde logo levanta sérias dúvidas no que tange ao caso concreto dos Advogados.
Poderão os mesmos ser compelidos a divulgar o planeamento fiscal dos seus clientes?
Entendemos que a resposta não poderá deixar de ser negativa.
A questão agora suscitada não é nova, uma vez que já foi anteriormente posta em causa pela Directiva 91/308/CEE, do Conselho relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais, com a redacção dada pela Directiva 2001/97/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de Dezembro de 2001 e transposta para o ordenamento jurídico português pela Lei n.º 11/2004 de 27 de Março.
Os advogados estiveram então no centro das preocupações das instituições que aprovaram a Directiva e a expressão “profissões forenses” não só pretendia abrangê-los, como pretendia considera-los como principais destinatários. A dificuldade essencial residia na restrição do direito ao segredo profissional que em todos os Países da União faz parte do estatuto profissional dos advogados.
Estatui o art.º 87º do nosso Estatuto da Ordem dos Advogados que “o advogado é obrigado a guardar segredo profissional em relação a todos os factos cujo conhecimento advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços”. No n.º3 do mesmo preceito acrescenta-se que o segredo abrange ainda os documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo.
Como ensina Augusto Lopes Cardoso, a natureza da obrigação de segredo profissional está intimamente ligada à natureza da própria profissão, sendo a “obrigação de sigilo um dos pilares do Estado de Direito e, logo, da Democracia” (A Directiva sobre o branqueamento de capitais e o segredo profissional da advocacia, in Boletim da Ordem dos Advogados, n.º 27, Jul/Ago. de 2003, pág. 28-36.)
Na verdade o segredo profissional dos advogados não tem a mesma natureza e significado que o segredo vigente para outras categorias profissionais ou entidades (banqueiros, jornalistas, funcionários de finanças, etc.).
Vale isto por dizer que o segredo profissional não visa salvaguardar qualquer interesse do próprio advogado, mas interesses de outrem (do cliente e de outros cidadãos, incluindo colegas) e os altos interesses da Justiça e do Estado de Direito.
O advogado é um mero depositário daqueles interesses superiores que se encontram à sua guarda.
O direito-dever de segredo profissional dos advogados não é, todavia, absoluto, comportando três excepções:
a) Quando o sigilo existir no exclusivo interesse do cliente e o seu levantamento o beneficiar exclusiva ou parcialmente, o cliente pode desvincular o advogado da sua observância, entendendo-se, porém, que mesmo desvinculado, o advogado não é obrigado a revelar factos anteriormente cobertos pelo segredo;
b) Por iniciativa do próprio advogado mediante autorização prévia do respectivo presidente do conselho distrital da Ordem dos Advogados, ou, após recurso de decisão negativa, do presidente (Bastonário) da Ordem dos Advogados.
Este pedido de cessação do segredo tem todavia fundamentos restritos: defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes (art.º 81.º, n.º 4 do EOA).
c) Por iniciativa de autoridade judiciária, quando for utilizado o mecanismo do art.º 135.º, n.º s 3 e 5 do Código de Processo Penal, aplicável também ao processo civil, feitas “as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa”, por via da remissão dos art.º 519.º, n.º 4 e 618.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Segundo Augusto Lopes Cardoso, a quebra do segredo profissional para efeitos de depoimento em processo penal (ou em processo civil) só se poderia verificar se, suscitado o incidente perante o tribunal, o presidente do conselho distrital respectivo ou o Bastonário autorizassem a cessação da obrigação de segredo profissional, nos termos do artigo 81.º, n.º 4, do EOA (“Do Segredo Profissional na Advocacia”, OA, 1998).
Seria esse o sentido do n.º 4 do art.º 135.º do CPP, na parte em que estatui que “a decisão (…) do tribunal é tomada ouvido o organismo representativo (…) nos termos e com os efeitos previstos na legislação que a esse organismo seja aplicada”. Se, todavia, a decisão deste fosse negativa, o tribunal teria de se resignar, não podendo ser produzido o depoimento do advogado com quebra de segredo.
A autorização da Ordem dos Advogados só poderia ser concedida se fosse necessário para a salvaguarda dos interesses referidos no Estatuto da Ordem dos Advogados (do advogado, do cliente ou seus representantes), e não quaisquer outros interesses. Da decisão final não caberia qualquer recurso, nomeadamente para o STA.
A referida Directiva envolvia a restrição do sigilo profissional dos advogados pela imposição do dever de, em certas circunstâncias, aqueles prestarem informações a determinadas autoridades, com quebra do segredo profissional a que têm direito e a que estão legal e deontologicamente sujeitos.
De entre as actividades que os advogados podem desempenhar, a Directiva elencava taxativamente algumas actividades nos domínios financeiro, imobiliário e societário no âmbito das quais ficam obrigados a cumprir os vários deveres.
No seu artigo 2.º A, n.º 5, distinguiam-se os casos em que o advogado: se limita a prestar qualquer tipo de assistência na concepção de transacções por conta dos clientes; ou presta assistência na execução de transacções por conta dos clientes; ou age em nome e por conta dos clientes em certas transacções.
Ora, aquilo que os advogados podem fazer no contexto das actividades do art.º 2.º A, n.º 5, tanto pode cair fora das actividades próprias da profissão do advogado, como pode ser especificamente relacionado com o núcleo essencial da profissão de advogado.
Se, por exemplo, este se limita a agir em representação do cliente numa determinada transacção financeira ou bancária, não estará a fazer mais do qualquer comum cidadão, ainda que tal representação tenha sido solicitada em função dos conhecimentos de que possui enquanto técnico do Direito.
Se ao advogado, por outro lado, for solicitado um parecer ou conselho técnico-jurídico acerca de determinada operação já estaremos perante actos próprios do profissional forense.
Assim, na assistência ou na prática de determinadas transacções a Directiva sujeitava a dois deveres passíveis de conflituar com o dever estatutário de sigilo profissional: o dever de comunicação e o dever de colaboração.
A delimitação negativa das circunstâncias em que pode haver quebra desse sigilo constavam do 2.º parágrafo do n.º 3 do art.º 6.º que estabelecia que os Estados-Membros não são obrigados a impor esses deveres aos advogados no que diz respeito a informações por eles “recebidas de um dos seus clientes no processo de determinar a situação jurídica por conta do cliente ou no exercício da sua missão de defesa ou de representação desse cliente num processo judicial ou a respeito de um processo judicial, inclusivamente quando se trate de conselhos relativos à forma de instaurar ou evitar um processo judicial, quer essas informações tenham sido recebidas ou obtidas antes, durante ou depois do processo”.
O parágrafo vindo de transcrever abrangia todas as situações de exercício do patrocínio judiciário, pelo que se admitia expressamente a inexistência de quebra de segredo profissional nesses casos.
Contudo, ficavam de fora todas as situações relativas à consulta jurídica.
Nesta sede o advogado teria o dever de informar as autoridades, por iniciativa própria, sobre quaisquer factos que pudessem constituir indícios de operações de branqueamento de capitais.
Do que vem de ser dito decorre que os advogados são compelidos a quebrar o sigilo profissional apenas em situações muito circunscritas, relativas à pratica de crime de branqueamento de capitais.
Ora, na situação que nos ocupa não se vislumbra que as necessidades financeiras do Estado, ameaçadas pela redução da receita fiscal na medida da correspondente poupança obtida por intermédio de planeamento fiscal, possam justificar a violação do sigilo profissional por parte do Advogado.
No que tange a condutas de evasão fiscal, admitimos que, a exemplo do que sucedeu quanto ao branqueamento de capitais, seja possível de iure condendo a consagração do levantamento do sigilo profissional.
Não parece, todavia, que vá nesse sentido a proposta de alteração do OE 2007.
É que tal levantamento teria necessariamente de referir-se expressamente ao fenómeno da evasão fiscal como um todo, enquanto conduta criminosa típica, e não à evasão obtida apenas por intermédio do planeamento fiscal.
Ou seja, admitimos como possível a “imposição” de colaboração dos Advogados no sentido de debelar ou combater a evasão fiscal, pela comunicação de actos passíveis de configurar aquele ilícito.
Todavia, em relação ao planeamento fiscal “legítimo” entendo que a divulgação do mesmo tout court para além de se afigurar inconstitucional, viola o núcleo essencial do dever de sigilo profissional do Advogado.



segunda-feira, novembro 06, 2006

Reforma LGT/CPPT - Algumas notas

- A primeira nota prende-se com a própria designação “Lei Geral Tributária”.
Com efeito, não se pode considerar que a LGT seja “Geral” uma vez que, como sabemos, as normas atinentes ao procedimento e processo encontram-se reguladas em diploma autónomo (CPPT) e as normas que disciplinam as infracções fiscais encontram-se também reguladas em diploma diverso (RGIT).
Por outro lado também não é “Tributária” uma vez que essa designação abrange o regime das taxas, que a própria LGT, no n.º 3 do seu artigo 3.º, remete para “lei especial”.

- Na epígrafe do artigo 11.º LGT pode ler-se “Interpretação”. Todavia a matéria ai tratada não se reconduz apenas à interpretação.
Para isso basta ler o n.º 4 do mesmo artigo, onde se dispõe sobre matéria de integração – o que justifica, a nosso ver, a sua autonomia - a exemplo do que sucede no código civil para onde, de resto, remetem os números iniciais do referido preceito.

- Estabelece o artigo 56.º LGT o princípio da decisão.
Todavia a epígrafe é equívoca, pois o que verdadeiramente se preceitua nesse normativo é o princípio segundo o qual a administração tributária está obrigada a pronunciar-se sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados pelos sujeitos passivos, ou por quem tiver interesse legítimo, por meio de reclamações, recursos, representações, exposições, queixas ou quaisquer outros meios previstos na lei.
Trata-se de uma obrigação de pronuncia e não de decisão, pois esta encontra-se no artigo 57.º LGT.
O princípio de pronuncia é um autêntico “verbo de encher” que configura, outrossim, uma verdadeira excepção tendo em conta que raramente é cumprido por parte da administração tributária. O que fazer perante o cenário apresentado?
Em nosso entender, o incumprimento do princípio da pronuncia legitima o recurso ao meio estabelecido no artigo 147.º do CPPT –intimação para um comportamento, meio esse que com o projecto de adaptação do contencioso tributário à reforma operada no contencioso administrativo ganha ainda mais sentido, dada a perda do caracter subsidiário que caracterizava o mesmo.
Diferente da obrigação de pronúncia é, como dissemos, a obrigação de decisão – que se encontra estabelecida no artigo 57.º n.º 1 LGT, onde se estatui que o procedimento tributário deve ser concluído no prazo de 6 meses contados da entrada da petição do contribuinte no serviço competente.
Ao invés do que sucede quanto ao dever de pronúncia, em caso de incumprimento do dever de decisão presume-se o indeferimento da pretensão – por forma a permitir que o interessado possa reagir graciosa ou contenciosamente (art.º 57.º n.º 5).
A ficção do indeferimento tácito estabelecida no artigo 57.º LGT configura um verdadeiro “acto de contrição” da Administração Tributária, na qual é confessada a sua manifesta incapacidade decisória, e constitui a expressa negação do princípio estabelecido no artigo seguinte, segundo o qual os órgãos da administração e os contribuintes estão sujeitos a um dever de colaboração recíproco (cfr. art. 58.º LGT).
Todavia, admitimos que um sistema baseado no deferimento tácito apesar de eventualmente poder forçar um crescente dinamismo do poder decisório da administração, configuraria uma avalanche de pretensões da mais diversa índole, por parte dos contribuintes, com vista a uma decisão administrativa positiva - ainda que ficcionada.
De notar que o deferimento tácito não é totalmente estranho ao nosso procedimento e processo tributário, dada a sua expressa consagração no artigo 133.º CPPT. Ai se dispõe que a impugnação judicial em caso de pagamento por conta é necessariamente precedido de reclamação graciosa, que se não for expressamente indeferida no prazo de 90 dias após a sua apresentação se presume tácitamente deferida.

- Estabelece o artigo 98.º LGT (art. 6.º CPTA) que as partes dispõem no processo tributário de iguais faculdades e meios de defesa. Todavia, na prática, essa igualdade é meramente virtual, revelada até no plano do pagamento de custas e na aplicação de sanções processuais.
A natureza do procedimento e processo tributário, visando dirimir conflitos de direito público, como que implicava naturalmente a existência de um contencioso desigual.
É pacificamente aceite que nas relações juridico-tributárias o Estado surge revestido de um poder de império que resulta da representação daquilo que se entende ser o “interesse público”. É isso que resulta do artigo 55.º da LGT que estabelece que «A administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público (...)».
O mesmo princípio se aplica às entidades intervenientes no processo tributário como representantes da AF ou prosseguindo o interesse público (vgr. Fazenda Pública e Ministério Público).
Quanto ao outro polo da relação, os contribuintes, aparecem no procedimento e processo representando, como é óbvio, os seus próprios interesses – apesar de submetidos a deveres de colaboração com a administração tributária (art. 59.º n.º 1 LGT)
Por obediência ao princípio do inquisitório a AF está adstrita à realização de todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material (artigos 58º da LGT), organizando o processo administrativo e instruindo o mesmo com todas as informações relevantes.
Admitimos que actualmente tem sido gradual a preocupação de equiparar as posições das partes, o que resulta em grande medida da consagração do princípio da igualdade de armas no Código do Processo Civil e, mais recentemente, no Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
O art. 104.º LGT apesar de expressamente reconhecer a isenção de custas da AF, estabelece que a mesma pode ser considerada como litigante de má-fé em caso de actuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas.
Poderá também ser condenada como litigante de má-fé no caso de o seu procedimento ou processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas. Parece-nos, contudo, que o advérbio de modo “habitualmente” constituiu um conceito indeterminado que carece de preenchimento sob pena de se vazio de conteúdo.
Acresce que o preceito vindo de analisar encerra em si mesmo uma desigualdade.
Na verdade, de acordo com o disposto no artigo 104º n.º 2 da LGT, o contribuinte pode ser condenado em multa por litigância de má fé nos termos da lei geral, enquanto que a AF apenas o pode ser nos estritos termos supra referidos.
A ratio legis do artigo 104.º n.º 1 da LGT deveria justificar, a nosso ver, a consagração de outras situações em que a administração pode já ter tomado posição expressa a favor da tese do contribuinte e, no decorrer de qualquer procedimento, vir posteriormente contrariar ou de algum modo infirmar quaisquer declarações, informações, pareceres, decisões, ou qualquer outra manifestação de onde aquela posição emanara, num autêntico abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.
Mas mais, verifica-se idêntica violação dos deveres de colaboração e boa- fé nos casos em que a AF insiste em manter procedimentos e processos que sabe serem desprovidos de qualquer fundamento factual ou jurídico, em que se recusa a reconhecer pretensões evidentes dos contribuintes, ou quando responde lacónica e evasivamente a claras e circunstanciadas exposições dos contribuintes.
Acreditamos que este tipo de litigância por parte da AF encontra uma “motivação extra” na isenção do pagamento de custas – que entendemos ser inadmissível do ponto de vista da igualdade das partes. Os contribuintes vêm-se obrigados a acompanhar a AF pelo pagamento de avultadas quantias a título de custas, ainda que os recursos por aquela interpostos não passem de meros caprichos.
Sabemos bem que o pagamento de custas por parte da AF, revestindo natureza tributária, constitui um autêntico “sair de um bolso e entrar noutro”, todavia é tempo de despir a AF desta autêntica “benesse” por forma a reduzir a dedução de pretensões e recursos sem qualquer fundamento, à laia de quem “atira o barro à parede”.

- Não podemos também olvidar a recorrente circunstância de a impugnação judicial dos contribuintes não merecer qualquer contestação por parte da Fazenda Pública, o que faz ponderar a introdução nesta matéria do ónus da impugnação especificada presente na lei processual civil (art. 490.º CPC) e a correspondente alteração do artigo 110.º n.º 6 e 7 CPPT.

- É igualmente de ponderar o transplante da sanção pecuniária compulsória do direito civil para o direito fiscal, mormente nas situações em que a AF se mantenha em incumprimento do ordenado em qualquer decisão judicial (vgr. reembolso de tributo indevidamente pago).

- Estabelece o artigo 52.º n.º 2 LGT que a suspensão da execução depende da prestação de garantia idónea, quantificada nos termos do artigo 199.º n.º 5 CPPT.
Assim, a garantia será prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora até ao termo do prazo de pagamento limite de 5 anos e custas a contar até à data do pedido, acrescido de 25% da soma daqueles valores o que, para além de ser excessivamente oneroso para o executado pode, inclusivamente, ser considerado inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade.

- Sendo notificado de um acto de liquidação ilegal o contribuinte tem ao seu dispor uma panóplia de meios que, nas suas características e prazos, podem, todavia, constituir um verdadeiro labirinto procedimental e processual.
O contribuinte pode, desde logo, deduzir reclamação graciosa daquele acto de liquidação.
O art. 58º n.º 1 da Lei nº 60-A/2005 de 30 de Dezembro, veio alterar os prazo para deduzir reclamação graciosa.
Assim, foram revogados os n.ºs 2 e 3 do art. 70º do CPPT e dada nova redacção ao n.º 1.
O anterior art. 70º, n 1, CPPT estabelecia que a reclamação tinha os mesmos fundamentos da impugnação judicial e devia ser apresentada no mesmo prazo de 90 dias, contados a partir dos factos previstos nas alíneas do n 1, do art. 102º do CPPT.
A Lei nº 60-A/2005 alterou o prazo de interposição da reclamação graciosa, que passou a ser de 120 dias.
Manteve-se, todavia, o prazo de 90 dias para a impugnação judicial.
Ora, na prática, quer isto dizer que o contribuinte pode ter deixado caducar e, todavia, ser ainda viável a dedução de reclamação graciosa.
Mais ainda, apesar da referida caducidade, poderá o contribuinte impugnar judicialmente a decisão de indeferimento expresso da reclamação no prazo de 15 dias a contar da sua notificação (art. 102.º n.º 2 CPPT) ou ainda no prazo de 90 dias a contar do indeferimento tácito (art. 102.º n.º 1 d) CPPT).
Por outro lado, do indeferimento da reclamação graciosa pode caber recurso hierárquico (cfr. art. 66.º, 67.º e 76.º CPPT), sendo que o indeferimento do recurso hierárquico é passível de impugnação judicial, malgrado o artigo 76.º n.º 2 CPPT fazer menção a “recurso contencioso”.
Na verdade, não faria sentido ponderar outro meio de reacção ao indeferimento do recurso hierárquico que não fosse a impugnação judicial, pois este seria sempre o meio adequado para atacar directamente o acto administrativo em causa.
Em caso de indeferimento expresso de reclamação graciosa, dispõe o contribuinte de 15 dias para deduzir impugnação judicial (art. 102º, nº 2 do CPPT), mas 30 para apresentar recurso hierárquico (art. 66º, nº 2 do CPPT).
Ou seja, se o contribuinte deixou, também aqui, caducar o prazo de impugnação judicial de indeferimento expresso de reclamação graciosa poderá ainda ter mais uma hipótese de impugnar judicialmente se intentar recurso hierárquico – beneficiando assim de um acréscimo de 15 dias de prazo – e depois deduzir impugnação judicial em caso de indeferimento, no prazo de 90 dias.
No dizer do artigo 66.º n.º 5 CPPT, o recurso hierárquico deve ser decidido no prazo máximo de 60 dias. O que fazer se não ficar decidido em tal prazo? Poder-se-á presumir o indeferimento tácito para efeito de impugnação judicial? A primeira vista parece-nos que sim, pois o indeferimento tácito constitui uma garantia dos contribuinte para efeito de reagir contra um acto lesivo. Todavia o artigo 57.º n.º 5 da LGT refere-se expressamente ao prazo de 6 meses para conclusão do procedimento, presumindo-se o indeferimento para efeito de interpor do mesmo recurso hierárquico, recurso contencioso e impugnação judicial.
Ora, presume-se o indeferimento tácito de um procedimento tributário para efeito de interpor outro procedimento tributário (recurso hierárquico).
Mas parece claro que no artigo 57.º apenas se regula o indeferimento tácito do primeiro dos procedimentos e não já do segundo...
Não se pense que as alterações introduzidas pela Lei nº 60-A/2005 no art. 70º do CPPT são integralmente favoráveis à posição ocupada pelo reclamante. É que, sendo certo que o prazo para dedução de reclamação graciosa foi alargado, é igualmente certo que foram revogados os n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo.
Os preceitos referidos estabeleciam que a reclamação graciosa podia ser deduzida no prazo de um ano quando o fundamento consistisse em preterição de formalidades essenciais ou na inexistência, total ou parcial, do facto tributário.
Com a alteração introduzida no n.º 1 do artigo 70.º CPPT as reclamações graciosas deduzidas após a entrada em vigor da Lei 60-A/2005 terão de obedecer ao mesmo prazo de 120 dias independentemente do seu fundamento.
O que vem de ser dito tem obviamente de ser entendido cum grano salis, uma vez que se o fundamento for a nulidade poderá ser deduzida a todo o tempo (cfr. art. 102.º n.º 3 CPPT.
Perante tal acto de liquidação pode ainda o contribuinte solicitar a revisão do acto tributário nos termos do artigo 78.º n.º 1 da LGT, o que deverá fazer dentro do prazo de reclamação administrativa (expressão que parece referir-se à reclamação graciosa e não ao procedimento previsto no artigo 161.º do CPA).
Acresce que também o indeferimento deste pedido de revisão é contenciosamente sindicável através do processo de impugnação judicial (cfr. arts. 97º, nº 1, al. D), 99º e 102º, nº 1, al. e) do CPPT e 95º, nº 2, al. d), da LGT).
Poderá ainda o contribuinte reagir em sede da cobrança coerciva do tributo, através do instituto da oposição à execução, previsto no art. 204.º CPPT mas, neste caso, apenas nos estritos termos e fundamentos ali estabelecidos.

- Portugal é dos países da Europa com mais dilatados prazos de caducidade e prescrição
Nesta matéria o legislador acabou por dar cobertura legal à inércia da Administração Tributária, incapaz de liquidar ou cobrar impostos em tempo útil (4 e 8 anos, respectivamente) – situação que, em nosso entender, já é tempo de alterar.

- A reforma da justiça administrativa levou à extinção de 10 tribunais tributários sem a correspondente criação de tribunais administrativos e fiscais.
O que vem dito levou a que algumas localidades se vêm agora muito distantes do tribunal administrativo e fiscal territorialmente competente.
Veja-se o exemplo de um contribuinte de Santa Maria da Feira que pretende deduzir impugnação judicial de um acto de liquidação. Terá, para o efeito de deduzir essa pretensão junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu – que dista mais de 100 km.
Por outro lado mal se compreende a criação de Tribunais Administrativos e Fiscais em zonas limítrofes do Tribunal Administrativo de Fiscal de Lisboa, tais como o de Loulé, este último, de resto, curiosamente chamado de ...Lisboa II (?).

- São verdadeiramente surpreendentes as alterações propostas ao processo de impugnação judicial. Referimo-nos à aplicação do despacho saneador estabelecido no artigo 87. sgs CPTA à impugnação judicial.
Com efeito, não se percebe o escopo visado e a utilidade derivada da fixação de factos assentes e base instrutória - sendo certo, quanto a esta última, que na impugnação judicial a inquirição de testemunhas é incidental, uma vez que apenas ocorrerá se tal se revelar necessário.
Acresce que a elaboração de despacho saneador pode fazer perigar o tradicional esquema simplificado do processo de impugnação judicial, dado que o mesmo pressupõe reclamações das partes, correspondente contraditório e, naturalmente, a decisão judicial das mesmas – o que tudo acarreta um acrescido dispêndio de trabalho e tempo.
Ora, o processo de impugnação judicial era já suficientemente moroso, sendo de estranhar que a proposta legislativa incorpore soluções que não passem pela actualmente tão propalada simplificação.


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