Limitação à dedutibilidade dos gastos de financiamento - quanto à (in)aplicabilidade a intermediários financeiros
De acordo com o Relatório do
Orçamento do Estado para 2013, a criação do regime de limitação à
dedutibilidade dos gastos de financiamento visou “promover a redução do endividamento
excessivo da economia e mitigar a histórica propensão do sistema fiscal para
privilegiar o funcionamento da actividade económica através da dívida”.
Parte-se assim da constatação de que o tratamento dado aos rendimentos resultantes do investimento de capitais próprios e aquele concedido ao rendimento resultante do investimento de capitais alheios não era equitativo nem neutral, favorecendo estes últimos (debt bias), e tornando as empresas mais dependentes de financiamento e mais expostas aos riscos do mercado financeiro.
De igual modo, após os avanços e recuos do pretérito regime fiscal da subcapitalização, ditados sobretudo pela Jurisprudência do TJUE, visou-se contrariar quer a prática de operações que, sob a aparência de contratos de empréstimo, constituem verdadeiras entradas de capital, quer práticas tendentes a ampliar artificialmente as despesas relativas a juros.
Neste particular, a exclusão subjectiva prevista no artigo 67.º n.º 11 do CIRC, quanto às entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal (BdP) e do Instituto de Seguros de Portugal (actualmente Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões), acarreta que, por princípio, às mesmas não são aplicáveis as sobreditas finalidades de natureza extrafiscal.
Ou seja, tais entidades não estão limitadas, no exercício da sua actividade, pelas restrições de índole fiscal previstas no artigo 67.º CIRC – o qual replica, para o ordenamento jurídico nacional, a solução anteriormente já adoptada por outros países europeus, nomeadamente a vizinha Espanha.
Ora, já no âmbito do regime da
subcapitalização, era defendida a inaplicabilidade de tal regime às
entidades financeiras – a exemplo do previsto, precisamente, no regime da
subcapitalização espanhol (Cfr. Paulo Pitta e Cunha, Fisco n.º 119/121,
Setembro 2005).
E, nesse âmbito, defendia-se que a exclusão das sociedades financeiras se afigurava lógica, na medida em que estas tinham como objecto habitual, entre outros, a actividade mutuária de meios financeiros, e tem por base o conteúdo da legislação específica aplicável às entidades financeiras, a qual as obriga a manter um determinado volume de recursos próprios em relação aos investimentos que realizem e os riscos que assuma, sob a supervisão de organismos estatais.
De facto, no caso de entidades
financeiras, e para além da supervisão comportamental, cabe ao BdP, no
exercício das prerrogativas de supervisão prudencial, supervisionar,
nomeadamente, a solvabilidade e liquidez das instituições financeiras (artigo
94.º sgs do D.L. 298/92).
E precisamente por este motivo
que não faria sentido aplicar-lhes, em sentido dissonante, restrições ou
condicionantes de índole fiscal, relacionadas com políticas de financiamento,
tais como as previstas no artigo 67.º CIRC.
É este, portanto, e apenas
este, parece-nos, o motivo que subjaz à exclusão das “entidades supervisionadas pelo
Banco de Portugal” do âmbito subjectivo da norma.
Aliás, o mesmo se aplica às entidades supervisionadas pela Autoridade de Supervisão de Seguros - que zela igualmente pela verificação da situação de solvência, da constituição de provisões técnicas, dos ativos e dos fundos próprios elegíveis das empresas de seguros e de resseguros (artigo 21.º da Lei n.º 147/2015).
Diferentemente, no que respeita
aos intermediários financeiros, e como resulta do artigo 9.º do
D.L. n.º 81-C/2017, a actuação do BdP é meramente uma supervisão
comportamental (e não prudencial) – Vgr. conceder a autorização para o
exercício da atividade de intermediário de crédito e revogá-la, fiscalizar o
cumprimento do regime jurídico; apreciar as reclamações apresentadas por
consumidores relativamente a intermediários de crédito, etc.
Aliás, como resulta do mesmo artigo 9.º , a supervisão do BdP abrange igualmente os prestadores de serviços de consultoria sem propósito comercial, no contexto de serviços públicos ou voluntários de consultoria de gestão de dívida – o que julgo reforçar a ideia de que a finalidade da exclusão prevista no artigo 67.º n.º 11 do CIRC não está minimamente em causa.
Em suma, embora literalmente o
artigo 67.º n.º 7 do CIRC se refira a entidades sujeitas a supervisão do BdP –
o que, em tese, inclui os “intermediários financeiros” - julgo ser
inequívoco da ratio da norma que tal supervisão, determinante da
exclusão do regime, se refere apenas às entidades sujeitas a uma supervisão
prudencial – dado ser a única que se relaciona com a imposição e controlo
de pressupostos tais como capital social, fundos próprios, reservas, liquidez
ou solvabilidade, os quais estão intrinsecamente relacionados com as opções de
financiamento e, por conseguinte, das inerentes consequências, para efeitos
fiscais, dos gastos de financiamento.
Tal não será, no entanto, o caso dos meros “intermediários
financeiros”.
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