sexta-feira, setembro 26, 2008

A caducidade da garantia no contencioso tributário: Baralhar e dar de novo

A recente Lei nº 40/2008, de 11 de Agosto, veio aditar o artigo 183.º-A ao Código de Procedimento e Processo Tributário, assim repondo – no dizer do legislador – o regime jurídico da caducidade das garantias prestadas em processo tributário.
Para além da alteração legislativa, é de registar a forma como o legislador falta conscientemente à verdade. Com efeito, não só não foi reposto o regime da caducidade da garantia, como esse regime nada tem que ver com o processo tributário, como veremos.
Mas voltemos ao início.
A regra estabelecida na nossa lei fiscal é a de que a reclamação ou a impugnação de um acto de liquidação de imposto não tem efeito suspensivo, prosseguindo tal liquidação para cobrança coerciva, através de execução fiscal, caso não seja paga no prazo legal.
A única forma de obviar à cobrança coerciva é, para além do pagamento, a prestação de uma “garantia idónea” (garantia bancária, seguro-caução, penhora, hipoteca voluntária, etc). Essa garantia deverá ser prestada de modo a abarcar o valor da dívida em causa, juros de mora até ao termo do prazo de pagamento limite de 5 anos e custas, acrescida de 25% da soma dos referidos valores. Por aqui se vê que a garantia a prestar pode ser excessivamente onerosa para o contribuinte, e ainda mais pelo período de tempo em que seja forçado a mantê-la.
O artigo em causa, aditado ao CPPT pela Lei n.º 15/2001 de 5 de Junho, estatuía que a garantia - prestada para conferir efeito suspensivo a reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial e oposição a execução - caducava caso a reclamação graciosa não fosse decidida no prazo de um ano contado da sua apresentação ou a impugnação, recurso ou oposição não estivessem julgados, em primeira instância, no prazo de dois anos.
Note-se, portanto, que a caducidade da garantia se aplicava tanto ao procedimento (reclamação graciosa) como ao processo tributário (impugnação, recurso e oposição).
Mais tarde, a Lei 30-B/2002 de 30 de Dezembro viria a alargar o prazo de decisão no processo tributário para três anos.
Ora, a lei 53-A/2006 veio revogar o artigo 184.º-A CPPT, deste modo atirando sobre os contribuintes as consequências da morosidade nas decisões administrativas e judiciais, que assim se vêm forçados a manter ad eternum as garantias prestadas e a suportar os inerentes custos.
Acresce que, no caso de caducidade da garantia, se encontrava também estabelecida a possibilidade de levantamento da própria penhora – disposição que foi também revogada pela Lei 53-A/2006, prevendo-se agora que a penhora não será levantada, qualquer que seja o tempo por que se mantenha parada a execução e, claro está, ainda que o motivo não seja imputável ao executado.
Com o novo aditamento da Lei 40/2008 pretendeu-se, ainda que de uma forma manifestamente mitigada, reintroduzir a caducidade da garantia. Mas essa reintrodução está muito longe de ser a propalada “reposição de regime”. Repor é voltar a por, restabelecer o status quo ante.
A norma agora aditada limita-se a estabelecer que “a garantia prestada para suspender o processo de execução fiscal caduca se a reclamação graciosa não for decidida no prazo de um ano após a sua interposição”. Em bom rigor o legislador deveria ter usado a expressão “apresentação” relativamente à reclamação graciosa (cfr. art. 70.º CPPT), uma vez que a expressão “interposição” se refere a recurso (Cfr. art. 281.º CPPT).
Como está bom de ver, também não se trata de repor o regime jurídico da caducidade da garantia no processo tributário – como afirma o legislador - mas apenas no procedimento.
Este novo regime não abrange, portanto, as garantias prestadas em impugnação judicial, recurso contencioso ou oposição à execução e que, portanto, deverão ser mantidas até ao trânsito em julgado da respectiva decisão.
Perante uma liquidação de imposto abrem-se duas vias de reacção: graciosa e contenciosa. Ora, caso o contribuinte opte por impugnar judicialmente a liquidação é patente que, se prestar garantia para obviar a execução fiscal, não poderá beneficiar do regime de caducidade daquela.
De notar, portanto, que o contribuinte a que seja reconhecida a caducidade da garantia na reclamação graciosa apenas pode beneficiar de efeito suspensivo até ao momento em que operaria a garantia prestada – ou seja, até à decisão da reclamação graciosa. Posteriormente, em sede de impugnação judicial ou oposição à execução, terá de prestar nova garantia.
Com a aplicação da nova disposição legal, a partir de 1 de Janeiro de 2009, os contribuintes que pretendam ver reconhecida a caducidade da garantia deverão requere-lo ao órgão da administração fiscal com competência para decidir da reclamação graciosa. Tal pedido de reconhecimento deverá ser decidido no prazo de trinta dias, findos os quais, sem decisão, se presumirá o deferimento tácito e o consequente cancelamento da garantia no prazo de cinco dias.
Um outro aspecto que aponta para a falsa “reposição” do regime legal em causa é a supressão da, anteriormente prevista, possibilidade de o interessado ser indemnizado pelos encargos suportados com a prestação da garantia em caso de caducidade da mesma – muito embora se mantenha a regra da indemnização pelos encargos da garantia, mas apenas nas situações previstas no artigo 53.º da Lei Geral Tributária.

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