sexta-feira, março 16, 2012

Inconstitucionalidade da nova regra de contagem de juros de mora nas dívidas fiscais- Orçamento de Estado 2012e

O artigo 149.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30.12 (LOE 2012) contém as seguintes alterações:

- Artigo 44.º n.º 2 e 3 da Lei Geral Tributária (LGT)

«2- Os juros de mora aplicáveis às dívidas tributárias são devidos até à data do pagamento da dívida.

3- A taxa de juros de mora é a definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas, excepto no período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data do pagamento da dívida relativamente ao imposto que deveria ter sido pago por decisão judicial transitada em julgado, em que será aplicada uma taxa equivalente ao dobro daquela.» (destaque nosso).

Estabelece, por seu lado, o artigo 151.º n.º 2, 3 e 4 da Lei n.º 64-B/2011, de 30.12, as seguintes disposições transitórias:

«2- A nova redacção do n.º 2 do artigo 44.º da LGT tem aplicação imediata em todos os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes à data da entrada em vigor da presente lei.

3- A nova redacção do n.º 5 do artigo 43.º e do n.º 3 do artigo 44.º da LGT tem aplicação imediata às decisões judiciais transitadas em julgado, cuja execução se encontre pendente à data da entrada em vigor da presente lei.

4- Os juros devidos, ao abrigo da nova redacção do n.º 5 do artigo 43.º e dos n.ºs 2 e 3 do artigo 44.º da LGT, nos processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e nas decisões judiciais transitadas em julgado, cuja execução se encontre pendente, só se aplicam ao período decorrido a partir da entrada em vigor da presente lei

Afigura-se que as alterações legislativas supra mencionadas são inconstitucionais.

Senão vejamos:

O Decreto-Lei n.º 49.168, de 5 de Agosto de 1969, que regula o regime dos juros de mora das dívidas ao Estado, aos seus serviços ou organismos autónomos e às autarquias locais, provenientes de contribuições, impostos, taxas, etc., com as alterações introduzidas pelo Dec-Lei n.º 73/99, de 16 de Março, com entrada em vigor em 01.05.1999, estabelecia que “São sujeitas a juros de mora as dívidas ao Estado (…), seja qual for a forma de liquidação e cobrança, provenientes de: contribuições, impostos, taxas e outros rendimentos pagos depois do prazo de pagamento voluntário.” (alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 73/99).

Em consonância, estabelecem os artigos 44.º n.º 1 da LGT e 86.º n.º1 do CPPT, uma vez decorrido o prazo legal de pagamento da dívida tributária começam a vencer-se juros de mora – precisamente destinados a compensar o credor pelo atraso (mora) no cumprimento.

Nos termos do n.º 3 do artigo 44.º da LGT, os juros de mora são contados à taxa definida para as restantes dívidas ao Estado, actualmente fixada pelo Aviso n.º 24886-A/2011 (DR 2.ª Série, n.º248, de 28.12) em 7,007% ao ano.

Até às alterações legislativas levadas a cabo pela LOE 2012, por força do n.º 2 do artigo 44.º da LGT a contagem de juros de mora estava limitada a um prazo máximo de três ou cinco anos, conforme houvesse, ou não, pagamento em prestações.

Contudo, com as referidas alterações da LOE 2012 os juros de mora são devidos até à data do pagamento da dívida – SEM QUALQUER LIMITE TEMPORAL, aplicando-se, por força do artigo 151.º n.º 2 da Lei n.º 64-B/2011, de 30.12, a todos os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes à data da entrada em vigor da presente lei.

Note-se que, como se disse, o artigo 44.º n.º 2 da LGT estabelecia, precisamente, que o prazo máximo de contagem de juros de mora é de três anos,sendo que também os artigos 6.º do D.L. n.º 49.168 e 4.º n.º1 do D.L. 73/99, estabelecendo as regras de contagem de juros de mora nas dívidas ao Estado, previam que «A liquidação de juros de mora não poderá ultrapassar os últimos cinco anos anteriores à data do pagamento da dívida sobre que incidem (…)».

Isto é, a LGT veio, inclusivamente, encurtar o prazo de liquidação de juros de mora sobre as dívidas tributárias, relativamente ao prazo de vencimentos de juros de mora sobre outras dívidas ao Estado.

As normas que preveem juros de mora estão sujeitas ao mesmo regime das que preveem os impostos, não podendo quer por força do n.º 3 do artigo 103.º da CRP, quer por força do n.º 1 do artigo 12.º da LGT, aplicar-se retroactivamente.

No caso em apreço, o legislador, revogando a norma que estabelecia a limitação de contagem de juros de mora, veio estabelecer que os juros de mora se vencem até integral pagamento da dívida exequenda, pretendendo a aplicação dessa regra às dívidas tributárias vencidas antes da sua entrada em vigor.

É certo que o facto que constitui a dívida de juros de mora, e serve de base ao cálculo do seu montante, é o decurso do tempo em situação de irregularidade perante a lei fiscal (período de retardamento do pagamento).

Por esse motivo, está-se perante um facto tributário de formação sucessiva, para efeitos da aplicação do n.º 2 do artigo 12.º da LGT, o que determina que quando a lei estabelece uma nova taxa de juros de mora, ela seja aplicável ao período de tempo decorrido na sua vigência.

Efectivamente, em caso de factos tributários de formação sucessiva, aplica-se a lei antiga aos rendimentos gerados até à entrada em vigor da lei nova, sendo a lei nova aplicável aos rendimentos posteriores[1].

Ou seja, no caso de não vigorar a mesma taxa legal de juros de mora durante todo o período de contagem, os juros de mora deverão ser calculados, com base nas várias taxas que sucessivamente vigorarem durante esse período, aplicando cada uma delas relativamente ao período da sua vigência.

Considerando-se que a obrigação derivada da mora é uma obrigação integrada, de forma indissolúvel, na obrigação de imposto inicial, o contribuinte não está perante duas obrigações diferentes, mas uma única obrigação tributária alterada quanto ao seu objecto, pois passou a compreender, além da dívida inicial a que se lhe junta ou aglutina, aquela que se exige a título de juros de mora - pela falta de pontualidade no pagamento tempestivo[2].

Sucede que, as alterações legislativas em causa, não respeitam à taxa de juro de mora, mas, outrossim, à revogação do seu período máximo de contagem e à aplicação retroactiva desse regime às dívidas tributárias vencidas antes da sua entrada em vigor, que actualmente se encontram em cobrança coerciva.

Ora, aquando do vencimento das dívidas tributárias, o contribuinte que pretendesse reagir graciosa ou contenciosamente contra a liquidação exequenda teria, necessariamente, de ponderar entre duas opções: i) efectuar o pagamento da dívida tributária e, posteriormente, com a procedência do meio de reacção, solicitar a restituição acrescida de juros indemnizatórios (art. 43.º da LGT); ii) prestar garantia idónea e, posteriormente, com a procedência do meio de reacção, solicitar indemnização pelos encargos (art. 53.º da LGT).

É notório que, para optar pela prestação de garantia, o contribuinte teve, naturalmente, de sopesar as contingências futuras resultantes da improcedência do meio de reacção, aferindo, com um grau de certeza aproximado, os valores que, futuramente, seria chamado a pagar.

Assim, quando o contribuinte optou por prestar uma garantia, é certo que sabia que iriam continuar a vencer-se juros de mora sobre a quantia exequenda, independentemente de o processo executivo se encontrar suspenso, mas, nesse momento, teve também de considerar que, em caso de improcedência do meio de reacção, teria de pagar a quantia exequenda e juros de mora com o limite legal de contabilização de três anos.

O estabelecimento de uma nova regra de contagem de juros de mora, até ao integral pagamento, sobre dívidas vencidas ao abrigo de norma que estabelecia um limite temporal de vencimento desses juros, é violador dos princípios da certeza e segurança jurídica, e da proibição da retroactividade.

Se é certo que não existe qualquer garantia de imutabilidade da legislação, é também certo que o contribuinte, quando confrontado com um regime de limitação de juros de mora, opta por não proceder ao pagamento da dívida tributária e, em lugar disso, decide prestar uma garantia, não pode, posteriormente, ser confrontado com a exigência de juros de mora, sobre uma dívida vencida muito antes, contabilizados até à definitiva decisão administrativa e judicial.

É necessário notar que, quando os contribuinte tomam decisões, definem rumos, ou afinam estratégias, o fazem tendo em conta o concreto enquadramento, factual e jurídico, dessas decisões no seu preciso momento, projectando para o futuro os resultados e consequências que legitimamente podem antever, face às concretas circunstâncias em que tomaram aquelas decisões.

A norma constante do artigo 44.º n.º 2 da LGT, ao estabelecer um prazo limite de contagem de juros de mora, constitui, inegavelmente, uma garantia do contribuinte vigente no ordenamento jurídico há mais de quarenta e três anos - na medida em que já resultava do regime estabelecido no Decreto-Lei nº 49.168, de 1969, e que veio, inclusivamente, a ser encurtado pela LGT, sendo que, nos termos do artigo 103.º n.º 3 da CRP, as garantias dos contribuintes não devem ser disciplinados de maneira diferente do inicialmente existente, de modo a não iludir as fundadas expectativas do contribuinte.

Assim, segundo o princípio da segurança jurídica e da consequente não retroactividade, o regime aplicável deverá ser o vigente à data da verificação do correspondente pressuposto – que, no caso dos juros de mora, corresponde à data limite de pagamento a partir da qual são devidos.

Quando muito, na hipótese mais bondosa, a nova regra de contagem de juros de mora, sem qualquer limite de contabilização, apenas poderia ser aplicada às dívidas tributárias vencidas após a sua entrada em vigor.

Mas, até nessa perspectiva a alteração em causa padece de inconstitucionalidade, na medida em que, mercê da demora na resolução dos litígios tributários, administrativos e judiciais, o contribuinte pode ver-se compelido a pagar quantias de juros de mora cujo vencimento não lhe é imputável e cujo cômputo não consegue, minimamente, determinar.

Ora, como resulta da alteração legislativa em causa e como constitui a recente interpretação da Administração Fiscal – constante no Ofício Circulado n.º 60.086, de 05.03.2012 – a contagem de juros de mora far-se-á de acordo com as seguintes regras:

«- nos processos de execução fiscal pendentes, em que, à data de 31/12/2011, ainda não tenha decorrido o prazo máximo de 3 anos ou outro prazo máximo legalmente previsto, contam-se juros de mora desde o termo do prazo para pagamento voluntário da dívida até à data de pagamento;

- nos processos de execução fiscal pendentes, em que, até à data de 31/12/2011, já tenha decorrido o prazo máximo de 3 anos ou outro prazo máximo legalmente previsto, ao montante de juros apurado até àquela data (…) acrescerão juros de mora, contados desde 01/01/2012 (…) até à data de pagamento.».

Ou seja, no primeiro caso, a alteração legislativa pretende aplicar-se retroactivamente a dividas tributárias vencidas antes da sua entrada em vigor, e, no segundo caso, a alteração legislativa pretende, ademais, aplicar-se a dívidas tributárias que, embora vencidas ao abrigo de lei que estabelecia um limite de três anos à contagem de juros de mora, são agora oneradas, afinal, com juros de mora sem qualquer limite.

Por outro lado, ainda que se entendesse que o regime em causa é dotado de uma retroactividade imprópria, na medida em fosse defensável que o facto relevante (vencimento da dívida tributária) ocorreu no âmbito da lei antiga, mas ainda não foram totalmente produzidos os seus efeitos – o que não se concede, e apenas se admite como hipótese de raciocínio – então sempre teríamos de convocar o princípio constitucional da segurança jurídica.

É que o princípio da segurança jurídica, ou da estabilidade das relações jurídicas, impede a descontinuidade injustificada do regime legal aplicável a situações jurídicas ocorridas ao abrigo de norma anterior e que, por isso, geraram legitimas expectativas no seu destinatário.

E em Direito Fiscal facilmente se compreende a importância da determinabilidade e precisão das normas fiscais, pois que, como se referiu, quando o contribuinte toma uma decisão de prestação de garantia, fá-lo tendo em conta o concreto regime jurídico vigente nesse momento, projectando para o futuro os resultados e consequências que legitimamente pode antever, face às concretas circunstâncias em que tomou aquela decisão.

Quando, posteriormente, se verifica uma alteração substancial das “regras do jogo” é indubitável que tal coloca em causa as legítimas expectativas dos contribuintes - e, portanto, são feridos de morte os sobreditos princípios constitucionais - o que é especialmente relevante no caso concreto, uma vez que estamos perante uma garantia do contribuinte que goza de estabilidade, porque vigente, de forma ininterrupta, desde 1998.

O Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março, ao estabelecer o regime das dívidas ao Estado estabelece um prazo máximo de contagem de juros de mora de cinco anos – o que coloca os contribuintes em condições de desigualdade perante os demais devedores do Estado.

Se o limite de contagem de três anos, previsto na LGT, se poderia justificar, face àquele limite de cinco anos, pelo facto de a certidão de dívida tributária ser emitida pela própria Administração Fiscal – que tem a titularidade do processo de execução fiscal e que pode colocar em marcha, de forma célere, essa cobrança[3]– ou pelo facto de se estabelecer que o processo judicial tributário deve ser decidido no prazo de dois anos[4].

o estabelecimento de uma regra de contabilização de juros de mora sem qualquer limite temporal, relativamente às dividas tributárias, face à regra de limitação temporal de contagem de juros de mora, de cinco anos, para as demais dívidas ao Estado, é violadora dos princípios da proporcionalidade e igualdade.

Com efeito, não se descortina qualquer fundamento minimamente razoável para estabelecer semelhante distinção.

Aliás, considerando a demora administrativa na resolução dos litígios tributários e a elevada pendência dos processos judiciais - recentemente invocada no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, como justificação da criação do regime da arbitragem tributária, actualmente, o que sucede é que, com as alterações legislativas em causa, o contribuinte é onerado com juros de mora até ao pagamento da dívida tributária, quando a demora na resolução do litígio onde prestou garantia não lhe é imputável, e, portanto, a mora no pagamento também não lhe é imputável.

Sendo prestada garantia para suspensão da cobrança coerciva, e accionado o meio de reacção contra a liquidação exequenda, o processo executivo apenas vai prosseguir para pagamento – por exemplo, com a penhora e venda, ou acionamento da garantia – aquando da decisão definitiva no procedimento ou processo tributário.

Assim, sempre que a demora na resolução do litígio tributário se deve a inação ou facto imputável à Administração Fiscal, pode mesmo afirmar-se que a mora é imputável ao credor, e que, portanto, a dívida deixaria de vencer juros[5].

Quando muito, o legislador poderia ter criado um critério uniforme de limitação à contagem de juros de mora – uniformizando o prazo constante na LGT, com o prazo de cinco anos constante no Decreto-Lei n.º 73/99.

Em sentido inverso, em lugar de se limitar a contagem de juros de mora nas situações em que, à partida, é sabido que a dilação na resolução dos litígios tributários e, portanto, à cobrança da quantia exequenda, não pode ser imputável ao contribuinte, o que o legislador fez foi estabelecer uma regra que impõe ao contribuinte o pagamento de juros por uma mora que não lhe é imputável.

Caberia ao legislador aferir o motivo por que foi estabelecida, na lei, uma limitação à contagem de juros de mora, e ponderar quais as circunstâncias que, actualmente, impõe a consagração de uma solução oposta.

Caso o tivesse feito – que não fez – certamente teria concluído que, abstraindo dos argumentos de natureza financeira e da recorrente necessidade de consolidação das contas públicas, não existe qualquer fundamento a legitimar semelhante ablação dos direitos dos contribuintes.

Muito pelo contrário, as razões que presidiram ao estabelecimento de um limite à contagem de juros de mora encontram-se, actualmente, reforçadas.

No D.L. n.º 49.168, de 5 de Agosto de 1969, o legislador, ao estabelecer, no seu artigo 6.º, um regime de limitação de contagem de juros de mora das dívidas ao Estado, provenientes, nomeadamente, de contribuições, impostos e taxas - posteriormente actualizado pelo D.L. n.º 73/99 – certamente ponderou que essa limitação se explicava pela intenção de evitar que o credor pudesse retardar a exigência do crédito, tornando demasiado onerosa a prestação que o devedor teria de efectuar.

Efectivamente, «No específico caso das dívidas tributárias, compreende-se mesmo que haja uma redução maior do que a que se prevê para as obrigações em geral, desde logo por uma razão de proporcionalidade, por a Administração Tributária dispor de meios legais e materiais que lhe permitem efectuar a cobrança das dívidas de que é credora, se necessário coercivamente através de um processo executivo simplificado e mais célere que o processo executivo comum, para o qual a lei estabelece como duração desejável o prazo de um ano (art. 177° do CPPT).A administração tributária é a única credora que tem também a faculdade de instaurar e fazer prosseguir pelos seus próprios meios a cobrança coerciva, o que é uma boa razão para a lei ser mais exigente em relação a ela do que o é em relação à generalidade dos credores, em matéria de consequências pelo retardamento da cobrança dos seus créditos[6].

Assim, «É em sintonia com estas considerações que se insere a limitação de contagem de juros de mora a três anos, prevista no art. 44°, n° 2, da LGT para as dívidas tributárias, que é maior do que a que, ao tempo em que foi emitida a LGT, resultava do art. 6° do DL n° 49168, de 5/8/1969, para a generalidade das dívidas a entidades de direito público. Esta especial limitação de contagem de juros de mora para as dívidas tributárias justificar-se-á por essas outras entidades não disporem de meios de, por si próprias, efectuarem a cobrança das suas dívidas»[7].

Ora, se a ponderação do legislador - de que, por um lado, a inércia administrativa poderia fazer avolumar, indevidamente, a dívida em causa, e de que, por outro lado, a Administração tinha ao seu dispor todos os meios para agilizar a sua cobrança - conduziu ao estabelecimento, desde 1969, de uma regra de limitação de contagem de juros de mora, então não há nenhum fundamento para, actualmente, consagrar entendimento diverso – muito pelo contrário.

Como é sabido, a tramitação dos processos de execução fiscal é feita quase exclusivamente com recurso a sistemas informáticos, como o SEF (Sistema das Execuções Fiscais), o Sistema de Gestão de Fluxos Financeiros (SGFF), ou o SIPA (Sistema Informático de Penhoras Automáticas), os quais substituem as tarefas que tradicionalmente eram efectuadas manualmente pelos funcionários.

Aliás, como resulta do Processo n.º P-0007/06(A2) desta Provedoria de Justiça, V.Exa tem pleno conhecimento de que, nos dias de hoje, o processo executivo fiscal é encetado e desenvolvido, nas suas várias vertentes, de forma virtualmente automática – mormente as compensações e as penhoras efectuadas com base no Cadastro Electrónico de Activos Penhoráveis (CEAP).

A isto acresce toda uma miríade de obrigações acessórias que actualmente são cumpridas, de forma obrigatória, por recurso a meios informáticos, o que permite o seu controlo, e o cruzamento de informação, quase de imediato.

Assim, constata-se que a modernização da máquina administrativa vem até reforçar as razões que estiveram na base da consagração legal de uma regra de limitação da contagem de juros de mora.

Por outro lado, em recentes comunicações remetidas aos contribuintes, a Administração Fiscal utiliza, expressamente, o argumento do vencimento de juros de mora sem limite, como forma de “estimular” ao pagamento do tributo, em detrimento da prestação de garantia idónea.

Dito de outro modo: a alteração legislativa veio estabelecer, para o contribuinte, a regra do “primeiro pague, e depois discuta”, e isto porque, independentemente da inércia administrativa na cobrança, e de a demora na decisão administrativa e judicial ser, ou não, imputável ao contribuinte, a dívida continuará a vencer juros de mora sem qualquer limite.

Não se vislumbra um mínimo lastro de proporcionalidade na alteração legislativa em causa, na medida em que o pretendido “estímulo” na arrecadação de receita implica, necessariamente, uma desmedida compressão dos direitos dos contribuintes – que se vêm responsabilizados pelo pagamento de juros até à definitiva resolução do litígio, cujo desfecho não dominam.

De resto, o estabelecimento de uma regra de vencimento indeterminado de juros, como forma de forçar o contribuinte a pagar para poder discutir, administrativa ou judicialmente, a liquidação de imposto, pode, inclusivamente, traduzir-se num obstáculo no acesso à justiça.

Basta constatar que, se o contribuinte optar por prestar garantia e apresentar reclamação graciosa, a Administração Fiscal não terá qualquer interesse na resolução atempada dessa reclamação, uma vez que essa demora sempre determina o vencimento de juros moratórios e, portanto, o constante e indefinido avolumar da dívida, sendo que, não obstante a existência do indeferimento tácito – como forma de garantir a possibilidade de impugnação judicial – o contribuinte não tem necessariamente de prescindir da realização de justiça administrativa, sendo que, como se disse, se o contribuinte optar por impugnar judicialmente o indeferimento tácito da reclamação, a pendência judicial significa, inevitavelmente e por si só, o avolumar da dívida tributária.

Ora, atendendo a que um processo judicial tributário demora, em média, cerca de quatro anos a ser julgado em primeira instância, é fácil antever que, não só o contribuinte não obterá um decisão em tempo útil, como verá aumentar desmesuradamente, pelo simples acesso à justiça tributária, a sua dívida.

Nos termos supra expostos, está em causa a inconstitucionalidade material dos artigos 43.º n.º 5 e 44.º n.º 2 e 3 da LGT e do artigo 151.º n.ºs 2, 3 e 4 da LOE 2012, por violação dos seguintes princípios constitucionais: do estado de direito democrático (art. 2.º da CRP); da protecção da confiança e boa-fé (art. 2.º e 266.º n.ºs 1 e 2 da CRP); da proporcionalidade (art. 18.º n.º 2 da CRP); da igualdade (art. 13.º da CRP); da não retroactividade (art. 18.º n.º 3 da CRP); e do acesso ao direito e aos tribunais (art. 20.º n.º 2 da CRP).



[1] António Lima Guerreiro, LGT Anotada, Editora Rei dos Livros, 2000, pag. 91.

[2] Mouteira Guerreiro, op. cit., págs. 55 e 56.

[3] Arts. 86.º n.º 2 e 88.º n.º 1 do CPPT.

[4] Art. 96.º n.º 2 CPPT.

[5] Art. 814.º n.º 2 do C.C.

[6] Jorge Lopes de Sousa, Sobre a prescrição da obrigação tributária, 2.ª Ed., Áreas, p. 147, destaque nosso.

[7] Idem.

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