terça-feira, janeiro 09, 2024

 

Execução de Julgados no processo tributário - baralhar e dar de novo.


Como é sabido, no contencioso tributário é possível cumular o pedido-tipo de anulação da liquidação do tributo com o pedido de condenação da Administração Tributária: i) na restituição do imposto pago, acrescido de juros ou ii) na indemnização dos encargos incorridos com a indevida prestação de garantia (o que apenas depende da opção entre pagar ou garantir a liquidação impugnada)

Configurado desta forma o litígio tributário típico, e na medida em que o mesmo seja julgado favoravelmente no sentido defendido pelo Contribuinte, surge a questão de saber qual o prazo de que a Administração Tributária dispõe para cumprir voluntariamente a decisão judicial – e isto dando por assente, face à actual redacção da lei, que tal prazo se inicia a contar do trânsito em julgado da sentença (e não da pretérita questão sobre a “remessa do processo” à AT) – cfr. art. 146.º n.º 2 CPPT.

A questão é pertinente porque alguma jurisprudência tende a considerar que o prazo de execução espontânea das sentenças e acórdãos dos Tribunais Tributários é de três meses (Cfr., por exemplo, Ac. STA de 03.12.2008, proc. n.º 0708/08).

Ora tal prazo apenas pode encontrar justificação em matéria administrativa, na medida em que, na sequência da anulação do acto administrativo, a administração pública se vê frequentemente na contingência de encetar um procedimento tendente a “reconstituir a situação hipotética que existiria à data do trânsito em julgado, como se o acto ilegal não tivesse sido praticado.” (Cfr. Diogo Freitas do Amaral, “A execução da sentença dos tribunais administrativos”, 2ª ed., Coimbra, 1997).

Dispõe o artigo 173.º n.º 1 do CPTA que a anulação de um acto administrativo constitui a Administração no dever de: (i) reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado; (ii) de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no acto entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado; ou no dever de (iii) substituir do acto ilegal por outro acto administrativo, sem reincidência nas ilegalidades anteriormente cometidas.

De facto, «(…) a execução da sentença anulatória do acto administrativo consiste na prática pela Administração - a quem incumbe tirar as consequências da anulação - dos actos e operações materiais necessárias à reintegração da ordem jurídica violada de molde a que seja restabelecida a situação que o interessado tinha à data do acto ilegal e a reconstituir, se for caso disso, a situação que o mesmo teria se o acto não tivesse sido praticado.» (Ac. TCAN, de 14.06.2007, dado no proc. n.º 00407/06.0BEPNF).

Todavia, como constitui recorte específico do contencioso tributário, está em causa sindicar a legalidade de um acto administrativo que materializa uma ablação patrimonial do administrado e que, por isso, se traduz no dever de pagamento de uma determinada quantia de imposto.

Por conseguinte, a execução coerciva do julgado que determina a anulação desse acto passa também ele, inevitavelmente, pelo pagamento de uma quantia – seja por restituição do imposto e acrescido (caso o administrado tenha optado por pagar o tributo), seja pelo pagamento de uma quantia indemnizatória (caso o administrado tenha optado por prestar garantia idónea).

Assim sendo, e concretamente nos casos em que o acto tributário judicialmente anulado foi pago, a AT está na posse de todos os elementos necessários para a reconstituição da situação tributária, afigurando-se evidente que para concretizar os necessários actos materiais – mormente a anulação da liquidação e o processamento de nota de crédito contendo o imposto indevidamente exigido, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios (quando judicialmente reconhecidos)  – é perfeitamente razoável (e suficiente) o prazo de 30 dias  - sobretudo em face da actual informatização da máquina administrativa fiscal.

Nesse sentido tem caminhado, e bem, a nossa Jurisprudência recente (Cfr. Ac TCAS de 13.07.2023, proc. n.º 2175/04.0BELSB-A).

Vale isto por dizer que, para a correcta adaptação do contencioso tributário ao processo de execução de julgados regulado no CPTA, importa desde logo definir expressamente que a execução do julgado tributário deve ser voluntariamente promovida no prazo de 30 dias (como dispõe o artigo 175.º n.º 3 do CPTA) e não no prazo de três meses.

Para assim concluir basta atender ao teor (redundante) da decisão de um processo de execução de julgados em matéria tributária. De facto, o Tribunal que proferiu a decisão exequenda – e que, portanto, com a anulação da liquidação, condenou a Administração Tributária na restituição do imposto ao Contribuinte acrescido de juros (decisão que, como se disse, deveria ser cumprida no prazo de 30 dias) – vê-se na contingência de proferir uma nova decisão em que condena a Administração Tributária (novamente) na restituição do imposto ao Contribuinte acrescido de juros, em idêntico prazo de 30 dias (art. 179.º n.º 4 CPTA)...

Na prática, a execução de julgados tal como se encontra configurada para o contecioso administrativo, e sendo aplicada ao contencioso tributário sem qualquer ajuste à sua especificidade, pode mesmo colocar o Tribunal na circunstância de praticar um acto inútil – vgr. nova condenação no pagamento que já resultava da sentença exequenda e que, como tal, se impunha directamente à Administração Tributária por força do disposto nos artigos 158.º e 159.º do CPTA, e 100.º da LGT.

Acresce que a própria tramitação do processo de execução de julgados é ele próprio moroso, e redundante, na medida em que, por norma, a “oposição” apresentada pela Fazenda Pública se circunscreve à afirmação de que foram encetados os meios tendentes ao cumprimento do julgado, com o compromisso de “oportunamente” se dar nota desse cumprimento ao Tribunal. Desta forma, e pese embora a Administração Pública não apresente oposição e, em lugar disso, confesse o incumprimento tempestivo, o Tribunal é colocado na circunstância de, periodicamente, questionar a Executada sobre se já procedeu ao pagamento e simultaneamente questionar a Executada sobre se já recebeu esse mesmo pagamento.

Bastará, por exemplo, uma simples auditoria aos processos de execução de julgados pendentes no TAF do Porto para aferir que o Tribunal é investido pela Administração Tributária numa posição de verdadeiro “mediador”, indevidamente instrumentalizado para a dilação no tempestivo cumprimento de uma decisão judicial pela AT.

Ora, para além das evidentes entorses aos princípios da igualdade, proporcionalidade e justiça, é colocado em causa o princípio da tutela jurisdicional efectiva – na medida em que o Contribuinte é colocado na circunstância de esperar indefinidamente pelo cumprimento do julgado.

De resto, uma larga maioria dos processos de execução de julgados findam por inutilidade superveniente da lide – precisamente porque apenas na pendência do processo (e por causa dela) a Administração Tributária decide cumprir a sentença. Nas demais situações, minoritárias, o Tribunal é colocado na posição de repetir a condenação que já constava explicitamente da decisão exequenda.

Cumpre notar que por força de recentes alterações legislativas (Lei n.º 7/2021, de 26.02), foi aditado ao artigo 100.º da Lei Geral Tributária o n.º 2 onde se estabelece que, no procecimento tributário, a reposição da legalidade da situação deve ser efectuada no prazo de 60 dias.

Em moldes similares, e em paralelo com o artigo 179.º n.º 4 CPTA, deveria ser aditado também um n.º 3 ao preceito, estabelecendo-se que, no processo tributário, a reposição da legalidade deve efectuar-se no prazo de 30 dias. 

De facto, o litígio tributário apenas pode ser dado por concluído com a “imediata e plena reconstituição” a que alude o artigo 100.º da LGT e, nessa medida, a clarificação do prazo de execução espontânea do julgado agiliza, pelo menos, o término de tal litígio.

De igual modo, muito do labor do Tribunal poderia ser significativamente reduzido com a simplificação do processo de execução de julgados quando aplicável a decisões do foro tributário, ou, pelo menos, estabelecendo-se a imediata tramitação do processo nos casos em que inexiste fundamento válido para oposição.

No que tange à morosidade do processo e pese embora os artigos 171.º e 177.º do CPTA estabeleçam o prazo de 20 dias para prolacção de decisão, na prática verifica-se que os processos de execução de julgados podem estar pendentes por prazos superiores a um ano.

Por outro lado, e relacionado precisamente com a pendência dos processos executivos - sobretudo motivada pela posição adoptada pela Administração Tributária e pela inércia do Tribunal na prolacção da correspondente sentença – verifica-se uma completa desarticulação com a natureza urgente de alguns processos.

Com efeito, sendo certo que, por exemplo, a reclamação de actos, omissões e decisões do órgão de execução fiscal, nos termos do artigo 276.º sgs do CPPT, reveste natureza urgente, a ulterior execução coerciva do julgado perde essa natureza – colocando indelevelmente em causa a tutela jurisdicional peticionada ao Tribunal e, sobretudo, o efeito do processo.

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