Execução de Julgados no processo tributário - baralhar e dar de novo.
Como é sabido, no contencioso
tributário é possível cumular o pedido-tipo de anulação da liquidação do
tributo com o pedido de condenação da Administração Tributária: i) na
restituição do imposto pago, acrescido de juros ou ii) na indemnização dos
encargos incorridos com a indevida prestação de garantia (o que apenas depende
da opção entre pagar ou garantir a liquidação impugnada)
Configurado desta forma o
litígio tributário típico, e na medida em que o mesmo seja julgado
favoravelmente no sentido defendido pelo Contribuinte, surge a questão de saber
qual o prazo de que a Administração Tributária dispõe para cumprir
voluntariamente a decisão judicial – e isto dando por assente, face à actual
redacção da lei, que tal prazo se inicia a contar do trânsito em julgado
da sentença (e não da pretérita questão sobre a “remessa do processo” à
AT) – cfr. art. 146.º n.º 2 CPPT.
A questão é pertinente porque
alguma jurisprudência tende a considerar que o prazo de execução espontânea das
sentenças e acórdãos dos Tribunais Tributários é de três meses (Cfr., por
exemplo, Ac. STA de 03.12.2008, proc. n.º 0708/08).
Ora tal prazo apenas pode
encontrar justificação em matéria administrativa, na medida em que, na
sequência da anulação do acto administrativo, a administração pública se vê
frequentemente na contingência de encetar um procedimento tendente a “reconstituir
a situação hipotética que existiria à data do trânsito em julgado, como se o
acto ilegal não tivesse sido praticado.” (Cfr. Diogo Freitas do
Amaral, “A execução da sentença dos tribunais administrativos”, 2ª ed.,
Coimbra, 1997).
Dispõe o artigo 173.º n.º 1 do
CPTA que a anulação de um acto administrativo constitui a Administração no
dever de: (i) reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não
tivesse sido praticado; (ii) de dar cumprimento aos deveres que não tenha
cumprido com fundamento no acto entretanto anulado, por referência à situação
jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado; ou no
dever de (iii) substituir do acto ilegal por outro acto administrativo, sem
reincidência nas ilegalidades anteriormente cometidas.
De facto, «(…) a
execução da sentença anulatória do acto administrativo consiste na prática pela
Administração - a quem incumbe tirar as consequências da anulação - dos actos e
operações materiais necessárias à reintegração da ordem jurídica violada de
molde a que seja restabelecida a situação que o interessado tinha à data do
acto ilegal e a reconstituir, se for caso disso, a situação que o mesmo teria
se o acto não tivesse sido praticado.» (Ac. TCAN, de 14.06.2007, dado no
proc. n.º 00407/06.0BEPNF).
Todavia, como constitui
recorte específico do contencioso tributário, está em causa sindicar a
legalidade de um acto administrativo que materializa uma ablação patrimonial do
administrado e que, por isso, se traduz no dever de pagamento de uma
determinada quantia de imposto.
Por conseguinte, a execução
coerciva do julgado que determina a anulação desse acto passa também ele,
inevitavelmente, pelo pagamento de uma quantia – seja por restituição do
imposto e acrescido (caso o administrado tenha optado por pagar o tributo),
seja pelo pagamento de uma quantia indemnizatória (caso o administrado tenha
optado por prestar garantia idónea).
Assim sendo, e concretamente
nos casos em que o acto tributário judicialmente anulado foi pago, a
AT está na posse de todos os elementos necessários para a reconstituição
da situação tributária, afigurando-se evidente que para concretizar os
necessários actos materiais – mormente a anulação da liquidação e o
processamento de nota de crédito contendo o imposto indevidamente exigido,
acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios (quando judicialmente
reconhecidos) – é perfeitamente razoável (e suficiente) o prazo de 30
dias - sobretudo em face da actual informatização da máquina
administrativa fiscal.
Nesse sentido tem caminhado, e bem, a nossa Jurisprudência recente (Cfr. Ac TCAS de 13.07.2023, proc. n.º 2175/04.0BELSB-A).
Vale isto por dizer que, para
a correcta adaptação do contencioso tributário ao processo de execução de
julgados regulado no CPTA, importa desde logo definir expressamente que a
execução do julgado tributário deve ser voluntariamente promovida no prazo de
30 dias (como dispõe o artigo 175.º n.º 3 do CPTA) e não no prazo de três
meses.
Para assim concluir basta
atender ao teor (redundante) da decisão de um processo de execução de julgados
em matéria tributária. De facto, o Tribunal que proferiu a decisão exequenda –
e que, portanto, com a anulação da liquidação, condenou a Administração Tributária na restituição do imposto ao Contribuinte acrescido de juros
(decisão que, como se disse, deveria ser cumprida no prazo de 30 dias) – vê-se
na contingência de proferir uma nova decisão em que condena a Administração
Tributária (novamente) na restituição do imposto ao Contribuinte acrescido
de juros, em idêntico prazo de 30 dias (art. 179.º n.º 4 CPTA)...
Na prática, a execução de
julgados tal como se encontra configurada para o contecioso administrativo, e
sendo aplicada ao contencioso tributário sem qualquer ajuste à sua
especificidade, pode mesmo colocar o Tribunal na circunstância de praticar
um acto inútil – vgr. nova condenação no pagamento que já resultava da sentença
exequenda e que, como tal, se impunha directamente à Administração Tributária
por força do disposto nos artigos 158.º e 159.º do CPTA, e 100.º da LGT.
Acresce que a própria
tramitação do processo de execução de julgados é ele próprio moroso, e
redundante, na medida em que, por norma, a “oposição” apresentada pela Fazenda
Pública se circunscreve à afirmação de que foram encetados os meios tendentes
ao cumprimento do julgado, com o compromisso de “oportunamente” se dar nota
desse cumprimento ao Tribunal. Desta forma, e pese embora a Administração
Pública não apresente oposição e, em lugar disso, confesse o incumprimento
tempestivo, o Tribunal é colocado na circunstância de, periodicamente,
questionar a Executada sobre se já procedeu ao pagamento e simultaneamente
questionar a Executada sobre se já recebeu esse mesmo pagamento.
Bastará, por exemplo, uma
simples auditoria aos processos de execução de julgados pendentes no TAF do
Porto para aferir que o Tribunal é investido pela Administração Tributária numa
posição de verdadeiro “mediador”, indevidamente instrumentalizado para a
dilação no tempestivo cumprimento de uma decisão judicial pela AT.
Ora, para além das evidentes
entorses aos princípios da igualdade, proporcionalidade e justiça, é colocado
em causa o princípio da tutela jurisdicional efectiva – na medida em que o
Contribuinte é colocado na circunstância de esperar indefinidamente pelo
cumprimento do julgado.
De resto, uma larga maioria
dos processos de execução de julgados findam por inutilidade superveniente da
lide – precisamente porque apenas na pendência do processo (e por causa dela) a
Administração Tributária decide cumprir a sentença. Nas demais situações, minoritárias,
o Tribunal é colocado na posição de repetir a condenação que já
constava explicitamente da decisão exequenda.
Cumpre notar que por força de
recentes alterações legislativas (Lei n.º 7/2021, de 26.02), foi aditado ao
artigo 100.º da Lei Geral Tributária o n.º 2 onde se estabelece que, no
procecimento tributário, a reposição da legalidade da situação deve ser
efectuada no prazo de 60 dias.
Em moldes similares, e em
paralelo com o artigo 179.º n.º 4 CPTA, deveria ser aditado também um n.º
3 ao preceito, estabelecendo-se que, no processo tributário, a reposição da
legalidade deve efectuar-se no prazo de 30 dias.
De facto, o litígio tributário apenas pode ser dado por concluído com a “imediata e plena reconstituição” a que alude o artigo 100.º da LGT e, nessa medida, a clarificação do prazo de execução espontânea do julgado agiliza, pelo menos, o término de tal litígio.
De igual modo, muito do labor
do Tribunal poderia ser significativamente reduzido com a simplificação do
processo de execução de julgados quando aplicável a decisões do foro
tributário, ou, pelo menos, estabelecendo-se a imediata tramitação do processo
nos casos em que inexiste fundamento válido para oposição.
No que tange à morosidade do
processo e pese embora os artigos 171.º e 177.º do CPTA estabeleçam o prazo de
20 dias para prolacção de decisão, na prática verifica-se que os processos de
execução de julgados podem estar pendentes por prazos superiores a um ano.
Por outro lado, e relacionado
precisamente com a pendência dos processos executivos - sobretudo motivada pela
posição adoptada pela Administração Tributária e pela inércia do Tribunal na
prolacção da correspondente sentença – verifica-se uma completa desarticulação
com a natureza urgente de alguns processos.
Com efeito, sendo certo que,
por exemplo, a reclamação de actos, omissões e decisões do órgão de execução
fiscal, nos termos do artigo 276.º sgs do CPPT, reveste natureza urgente, a ulterior execução coerciva do julgado perde essa natureza – colocando
indelevelmente em causa a tutela jurisdicional peticionada ao Tribunal e,
sobretudo, o efeito do processo.
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