terça-feira, março 27, 2018

Reforma Jurisdicção Tributária

Estando em curso a reforma da jurisdição administrativa e tributária,  que se concentra sobretudo na agilização e simplificação do contencioso tributário, bem como na salvaguarda da tutela jurisdicional efectiva, merecem reflexão os seguintes pontos:


  1. Alçadas e valor do processo

Está em causa uma questão que não apenas influi na tributação em custas do processo, mas igualmente na forma de representação voluntária e, sobretudo, na possibilidade de recurso.
Nesta matéria, entendo que o normativo que estabelece a forma de determinação do valor da acção, segundo critérios que não atendem à especificidade do contencioso tributário, influi indelevelmente, de forma negativa e com violação do princípio da igualdade, na possibilidade de recurso.

1 – Até à entrada em vigor da Lei nº 82-B/2014, em 1 de Janeiro de 2015, o artigo 105.º da LGT estabelecia que «A lei fixará as alçadas dos tribunais tributários, sem prejuízo da possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de este visar a uniformização das decisões sobre idêntica questão de direito.».
A redacção dada pela LOE 2015 veio apenas definir a alçada dos tribunais tributários de primeira instância, deixando para o CPPT a regulamentação dos casos em que é possível o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo.
Nos termos do artigo 31.º, n.º 1 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, com a redacção dada pela Lei n.º 46/2011, de 24 de Junho, a alçada dos tribunais judiciais de primeira instância é de €5.000,00.
Assiste-se, deste modo, a um significativo aumento da alçada e, portanto, da possibilidade geral de recurso ordinário - já que anteriormente, nos termos do artigo 280.º n.º 4 do CPPT, apenas não cabia recurso das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância proferidas em processo de impugnação judicial ou de execução fiscal quando o valor da causa não ultrapassasse um quarto das alçadas fixadas para os tribunais judiciais de primeira instância (artigo 6.º, n.º 2 ETAF) - ou seja, €1.250,00.
Note-se que, estranhamente, o referido normativo do ETAF - na redacção dada pelo Dec.Lei nº 214-G/2015, de 2 de Outubro – não foi revogado, colocando agora em confronto duas normas com teor manifestamente contrário, pese embora a Jurisprudência tenha considerado que operou uma revogação tácita (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 24 de Fevereiro de 2016, proc. n.º 01291/15).
De todo o modo, embora se trate de replicar a alçada dos tribunais de primeira instância, haverá de notar-se que o contencioso tributário tem características específicas que impunham também uma ponderação diferenciada - o que, em minha opinião, claramente não sucedeu.
Em primeiro lugar, está em causa um verdadeiro contencioso de reacção - na medida em que, por força do acto tributário, o contribuinte é colocado na contingência de encetar um procedimento/processo adequado para reagir contra a ilegalidade/inexigibilidade do imposto.
Em segundo lugar, está em causa um contencioso marcadamente determinado pela natureza do acto tributário impugnado graciosa ou contenciosamente - sobretudo no que tange ao seu quantitativo.
Ao estabelecer anteriormente uma alçada no montante de €1.250,00, o legislador certamente compreendeu esta especificidade do contencioso tributário, pretendendo, desse modo, facilitar o acesso à justiça tributária - sendo que a obrigatoriedade de constituição de advogado apenas nas causas que ultrapassassem dez vezes a alçada do tribunal de primeira instância milita também nesse sentido.
Com efeito, como é sabido, a obrigação fiscal é dotada de uma verdadeira natureza constitutiva, quer porque beneficia da presunção de legalidade própria dos actos administrativos, quer porque a sua execução não está dependente de qualquer outra pronúncia prévia, mormente judicial, para além da constituída pelo próprio acto tributário de liquidação.
De acordo com a regra vigente, corre-se o (evidente, mas evitável) risco de distinguir a tutela jurisdicional efectiva - mormente a decorrente da concessão/negação da garantia ao recurso jurisdicional - consoante se trate de um contribuinte individual ou pessoa colectiva ou, pior do que isso, consoante a quantia de imposto em causa. Bastará, naturalmente, ponderar o peso relativo que uma liquidação de imposto no montante de €5.000,00 pode ter para uma pessoa colectiva e para um contribuinte individual.
Por outro lado, o estabelecimento da regra em causa condiciona mesmo, à partida, a natureza dos actos tributários cuja legalidade pode ser judicialmente sindicada. Atente-se, por exemplo, às colectas de imposto municipal sobre imóveis, imposto único de circulação, ou imposto de selo - que, na maior parte dos casos, não ultrapassam o valor de €5.000,00.
Tomando por referência o Relatório de Combate à Fraude e Evasão Fiscal da Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais é possível perceber, por exemplo, que 35% dos processos em contencioso administrativo respeitam, precisamente, a imposto de selo, imposto municipal sobre imóveis e imposto único de circulação.
Ora, a consideração de que, nos termos do mesmo relatório, 65% dos recursos hierárquicos são indeferidos, permite concluir que as questões acabam por ser dirimidas em sede judicial - e, por força do supra referido, sem qualquer possibilidade de recurso.

2 - Estatui o artigo 6.º n.º 1 CPPT, com a redacção dada pela LOE 2015, que é obrigatória a constituição de advogado nas causas judiciais cujo valor exceda o dobro da alçada do tribunal tributário de 1.ª instância, bem como nos processos da competência do Tribunal Central Administrativo e do Supremo Tribunal Administrativo. Ou seja, por referência ao normativo em anotação, e em termos gerais, apenas será obrigatória a constituição de advogado nas causas superiores a €10.000,00 - sendo que a regra até agora vigente obrigava à constituição de advogado nas causas judiciais cujo valor excedesse o décuplo da alçada do tribunal tributário de 1.ª instância (bem como nos processos da competência do Tribunal Central Administrativo e do Supremo Tribunal Administrativo) - ou seja €12.500,00.
Trata-se de uma regra que não tem paralelo nem no contencioso civil, nem no contencioso administrativo e que materializa o desígnio legislativo de facilitar o acesso à justiça tributária.
Diferentemente, o art. 11.º, n.º 1 do CPTA, exige a constituição de advogado em todos os processos do contencioso administrativo, o que suscita a questão de saber se, no "recurso contencioso" referido no artigo 97.º n.º 1 p) do CPPT - ou seja, a acção administrativa especial em matéria tributária - é ou não obrigatória a constituição de advogado.
Trata-se de mais uma, de entre várias incongruências e incompatibilidades entre o contencioso administrativo e o contencioso tributário, considerando que ainda não foi efectuada a (necessária) reforma, revisão e adaptação conjunta.
O Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 24 de Setembro de 2008, dado no processo n.º 0175/07, sufragou o entendimento de que não faria sentido dispensar a constituição de advogado no âmbito da impugnação judicial, da reclamação, do recurso hierárquico e mesmo da oposição, e exigir esse pressuposto na acção administrativa especial em matéria de direito tributário, quando o desígnio que está em causa é o mesmo.

3 - As regras relativas à fixação do valor da causa nos processos tributários encontram-se actualmente no art. 97.º-A do CPPT. Em geral, nos termos do n.º 1 do referido preceito, o valor da causa corresponde ao do acto impugnado - concretamente: quando seja impugnada a liquidação, o valor que se pretende anulado [alínea a)]; quando seja impugnado o acto de fixação da matéria colectável, o valor contestado [alínea b)]; quando seja impugnado o acto de fixação de valores patrimoniais, o valor contestado.
Ora, nos casos estabelecidos na alínea b, constata-se que, para efeito de determinação do valor da causa, podem estar em causa as mesmas correcções fiscais, em termos quantitativos, mas um valor da causa completamente diverso - tanto para efeito de determinação da alçada, quer para efeito da determinação de custas.
Basta atentar às situações em que, malgrado a Administração Tributária proceder a avultadas correcções à matéria colectável, tais correcções não deram origem a qualquer imposto a pagar [art. 97.º n.º 1 b) do CPPT], considerando, por exemplo, a existência de prejuízos fiscais reportáveis. Nestas circunstâncias, o valor da causa corresponderia, portanto, ao valor das próprias correcções impugnadas. Agora pense-se numa situação em que, relativamente a outro Contribuinte, a Administração Tributária procede às mesmíssimas correcções à matéria colectável mas, desta feita, porque o Contribuinte não tinha prejuízos fiscais reportáveis ou os existentes apenas tinham um impacto parcial, era gerada uma liquidação de imposto a pagar. Nesta última hipótese, e embora, reitera-se, estivesse em causa a mesma quantificação da matéria colectável, o valor da causa corresponderia ao valor da liquidação - que, como é bom de ver, é muitíssimo inferior ao valor das correcções que a geraram.
Neste caso, o Tribunal é chamado a sindicar a legalidade das mesmas correcções, eventualmente decorrentes de um semelhante procedimento inspectivo, mas o valor da acção para efeito de alçada e para efeito de custas seria diametralmente diferente.
Vale isto por dizer que, embora o labor do Tribunal seja exactamente o mesmo e o objecto do processo seja também idêntico, num caso o Contribuinte poderá interpor recurso da decisão do Tribunal de primeira instância, já que o valor do processo corresponde ao valor das próprias correcções, enquanto que a outro Contribuinte poderá estar vedada a possibilidade de recurso, na medida em que o valor do processo corresponde à (reduzida) liquidação gerada.
Haverá de considerar-se, igualmente, os processos judiciais onde se pretenda sindicar a legalidade da determinação do valor patrimonial tributário de um imóvel, considerando que tal valor constitui base de incidência do IMI.
Nestes casos, e nos termos da lei, o Contribuinte apenas poderá colocar em causa, contenciosamente, a determinação daquele valor patrimonial, depois de esgotados os meios graciosos previstos (Cfr. art. 134.º n.º 7 do CPPT) - sendo que, por exemplo, a ulterior impugnação judicial não tem efeito suspensivo quanto à liquidação de IMI (Cfr. art. 118.º n.º 1 do CIMI).
Trata-se, portanto, de uma questão similar à da impugnação da determinação da matéria colectável, quando não dê origem a qualquer liquidação.
A este respeito, e conforme é entendimento da nossa melhor doutrina: «Nos casos em que é impugnado directamente o acto de fixação da matéria colectável, referidos na alínea b) do n.º 1 do art. 97.º-A, o benefício que se pretende obter não é equivalente ao "valor contestado", adoptado como critério de fixação do valor, mas sim ao imposto que deixaria de ser cobrado com a alteração do valor da matéria colectável contestado, que será sempre muito menor que aquele.». (Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.ª Edição, 2011, Áreas Editora, p. 73).
Daí que, como refere o mesmo autor, «(…) em coerência com a opção legislativa subjacente à fixação do valor prevista na alínea a), deveria, nestas situações de impugnação de acto de fixação de matéria colectável, optar-se pela fixação do valor da acção em função do valor do imposto que estaria conexionado com a matéria colectável contestada.».
Assim, conclui, «Podem colocar-se, aqui, problemas de compatibilidade deste critério com o princípio constitucional da igualdade, já que a impugnação judicial de actos de fixação da matéria colectável em que está em causa a contestação de valor idêntico terá valor diferente para efeitos de tributação em custas, conforme seja ou não praticado um acto de liquidação, podendo suceder mesmo que a uma mais ampla impugnação corresponda menor valor da acção. É, assim, de aventar a inconstitucionalidade material do critério utilizado na alínea b), à face do princípio constitucional da Igualdade (art. 13.º da CRP).».
Por identidade de motivos, é de aventar a inconstitucionalidade material do preceito em causa, concatenado com a regra supra referida - por violação dos princípios da igualdade e da tutela jurisdicional efectiva - quando, nas situações referidas, se constate que fica totalmente inviabilizada a possibilidade de recurso em situações que, no plano material, não faz qualquer sentido diferenciar.
Acresce que, no exemplo dado, o contribuinte que tem prejuízos fiscais, paradoxalmente, pagará mais custas processuais do que outro contribuinte que, colocado na mesma posição, tenha resultados positivos.


4 - Note-se que, no regime da arbitragem tributária instituído pelo Decreto - Lei n.º 10/2011, de 20.01.2011, embora o valor do processo para efeito de custas arbitrais seja determinado nos termos do artigo 97.º-A do CPPT, estatui artigo 3.º n.º 3 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, por remissão para o artigo 2.º n.º 1 b) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, que nos casos de declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais, o valor da causa será o da liquidação a que se pretende obstar. Assim, por exemplo, quando se impugna a determinação de um valor patrimonial tributário, de acordo com as regras plasmadas na alínea c) do n.º 1 do artigo 97.º-A CPPT, o valor da impugnação corresponde ao valor contestado. Logo, se bem se intui o sentido do regime em causa, quando se pretenda contestar o valor patrimonial pelo efeito que o mesmo vai surtir numa liquidação de IMI, constata-se que, no processo arbitral - ao invés do que sucede no processo de impugnação judicial - será o valor da liquidação a constituir, e bem, o critério para definição do valor do processo e das custas.


  1. Uniformização (completa) dos prazos de reacção


Na redacção anterior à Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (OE/2013), o artigo 102.º do CPPT estabelecia o prazo de 90 dias para a reacção judicial, e que passou a ser de três meses.
Note-se que, por exemplo, entre as alíneas i) e p) do mesmo artigo existia uma dissonância entre o prazo de 90 dias e o prazo de três meses.
Nessa senda, entendo que a única interpretação plausível e coerente do artigo 102.º do CPPT vai no sentido de que, em todos os casos mencionados nas várias alíneas do seu n.º 1, o legislador pretendeu uniformizar os prazos de impugnação judicial com o prazo da acção administrativa – precisamente de três meses (art. 58.º n.º 2 b) do CPTA).
Todavia, o legislador não vislumbrou que o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT merecia também tratamento e atenção específico, de forma a compatibilizar o mesmo com o prazo de reacção expressamente previsto no artigo 134.º n.º 1 do CPPT – que o legislador terá simplesmente ignorado.
Como resulta da nossa melhor doutrina, «Na alínea e) do n.º 1 deste art. 102.º faz-se referência aos outros actos que possam ser objecto de impugnação autónoma «nos termos deste Código», expressão esta reproduzida a partir da alínea e) do n.º 1 do art. 123.º do CPT, que deve ser interpretada, após a vigência da LGT, como reportando-se à generalidade dos actos que podem ser objecto de impugnação autónoma, incluindo os previstos neste último diploma, pois a separação de matérias entre a LGT e o CPPT não constitui razão para existir um tratamento diferente.» (Cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado, Áreas, Vol. II, p. 153).
Refere ainda o mesmo autor que «Assim, aplica-se esta regra não só aos casos de impugnação autónoma previstos neste Código (…) [actos de fixação de valores patrimoniais (art. 134.º)] mas também aos outros casos de impugnação de actos de avaliação directa (art. 86.º, n.º 1, da LGT).». (idem).
Ou seja, é inequívoca a existência de uma clara incongruência do legislador.
Milita nesse sentido, também, o facto de no n.º 4 do artigo 102.º se salvaguardar a existência de “prazos especiais” – que, portanto, seguiriam regras distintas.
Ora, «Os prazos especiais de impugnação, de 30 dias, preveem-se no CPPT para os casos dos actos de indeferimento de reclamação graciosa de actos de autoliquidação (art. 131.º n.º 2), de retenção na fonte (132.º, n.º 5) e de pagamento por conta (art. 133.º n.º 3) e actos de recusa de correcção de inscrições matriciais (art. 134.º n.º 3).» (Cfr. Jorge Lopes de Sousa, op. cit. p. 154).
Ou seja, apenas são considerados “especiais” os referidos prazos de impugnação judicial – sendo que, no caso de impugnação autónoma, continua a valer o artigo 102.º n.º 1 e) do CPPT.
Deste modo, tudo recomendaria a compatibilização do artigo 102.º n.º 1 e) e 134.º n.º 1 do CPPT por forma a debelar esta clara incongruência e de modo a conferir sentido útil àquela primeira norma.
Aliás, a harmonização entre os prazos de propositura de impugnação com os do contencioso administrativo e a aplicação o regime de impugnação judicial dos actos tributários à impugnação dos actos administrativos em questões fiscais é proposta há muito (Cfr. Relatório do Grupo para o Estudo da Política Fiscal, Competitividade, Eficiência e Justiça do Sistema Fiscal, Ministério das Finanças e da Administração Pública, ponto 6.4.2, p. 52, em http://www.ideff.pt/xms/files/GPFRelatorioGlobal_VFinal.pdf).


  1. Execução de Julgados

Como é sabido, no contencioso tributário é possível cumular o pedido-tipo de anulação da liquidação do tributo com o pedido de condenação da Administração Tributária: i) na restituição do imposto pago, acrescido de juros ou ii) na indemnização dos encargos incorridos com a indevida prestação de garantia.
Configurado desta forma o litígio tributário típico, e na medida em que o mesmo seja julgado favoravelmente no sentido defendido pelo Contribuinte, surge a questão de saber qual o prazo de que a Administração Tributária dispõe para cumprir voluntariamente a decisão judicial – e isto dando por assente, quanto a nós, que tal prazo se inicia a contar do trânsito em julgado da sentença (e não de qualquer “remessa do processo”).
A questão é pertinente porque alguma jurisprudência tende a considerar que o prazo de execução espontânea das sentenças e acórdãos dos Tribunais Tributários é de três meses (Cfr., por exemplo, Ac. STA de 03.12.2008, proc. n.º 0708/08).
Ora se tal prazo encontra total justificação em matéria administrativa, na medida em que, na sequência da anulação do acto administrativo, a administração pública se vê frequentemente na contingência de encetar um procedimento tendente a “reconstituir a situação hipotética que existiria à data do trânsito em julgado, como se o acto ilegal não tivesse sido praticado.” (Cfr. Diogo Freitas do Amaral, “A execução da sentença dos tribunais administrativos”, 2ª ed., Coimbra, 1997).
Dispõe o artigo 173.º n.º 1 do CPTA que a anulação de um acto administrativo constitui a Administração no dever de: (i) reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado; (ii) de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no acto entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado; ou no dever de (iii) substituir do acto ilegal por outro acto administrativo, sem reincidência nas ilegalidades anteriormente cometidas.
De facto, «(…) a execução da sentença anulatória do acto administrativo consiste na prática pela Administração - a quem incumbe tirar as consequências da anulação - dos actos e operações materiais necessárias à reintegração da ordem jurídica violada de molde a que seja restabelecida a situação que o interessado tinha à data do acto ilegal e a reconstituir, se for caso disso, a situação que o mesmo teria se o acto não tivesse sido praticado.» (Ac. TCAN, de 14.06.2007, dado no proc. n.º 00407/06.0BEPNF).
Todavia, como constitui recorte específico do contencioso tributário, está em causa sindicar a legalidade de um acto administrativo que materializa uma ablação patrimonial do administrado e que, por isso, se traduz no dever de pagamento de uma determinada quantia.
Por conseguinte, a execução coerciva do julgado que determina a anulação desse acto passa tembém ele, inevitavelmente, pelo pagamento de uma quantia – seja por restituição do imposto e acrescido (caso o administrado tenha optado por pagar o tributo), seja pelo pagamento de uma quantia indemnizatória (caso o administrado tenha optado por prestar garantia idónea).
Assim sendo, como é, a Administração Tributária está na posse de todos os elementos necessários para a reconstituição da situação tributária, afigurando-se evidente que para concretizar os necessários actos materiais – mormente a anulação da liquidação e o processamento de nota de crédito contendo o imposto indevidamente exigido, acrescido de juros – é perfeitamente suficiente o prazo de 30 dias (sobretudo em face da total informatização da máquina administrativa).
Vale isto por dizer que, para a correcta adaptação do contencioso tributário ao processo de execução de julgados regulado no CPTA, importa desde logo definir expressamente que a execução do julgado tributário deve ser voluntariamente feita no prazo de 30 dias (como dispõe o artigo 175.º n.º 3 do CPTA) e não no prazo de três meses.
Para assim concluir basta atender ao teor (redundante) da decisão de um processo de execução de julgados em matéria tributária. De facto, o Tribunal que proferiu a decisão exequenda – e, portanto, com a anulação da liquidação, condenou a Administração Tributária, por exemplo, na restituição do imposto ao Contribuinte acrescido de juros (decisão que deveria ser cumprida no prazo de 30 dias) – vê-se na contingência de proferir uma nova decisão em que condena a Administração Tributária…na restituição do imposto ao Contribuinte acrescido de juros, no mesmo prazo de 30 dias (art. 179.º n.º 4 CPTA).
Na prática, a execução de julgados tal como se encontra configurada, e sendo aplicada ao contencioso tributário sem qualquer ajuste à sua especificidade, coloca o Tribunal na circunstância de praticar um acto inútil – vgr. nova condenação no pagamento, que já resultava da sentença exequenda e que, como tal, se impunha directamente à Administração Tributária por força do disposto nos artigos 158.º e 159.º do CPTA.
Acresce que a própria tramitação do processo de execução de julgados é ele próprio moroso, e redundante, na medida em que, por norma, a “oposição” apresentada pela Fazenda Pública se circunscreve à afirmação de que foram encetados os meios tendentes ao cumprimento do julgado, com o compromisso de “oportunamente” se dar nota desse cumprimento ao Tribunal. Desta forma, e pese embora a Administração Pública não apresente oposição e, em lugar disso, confesse o incumprimento tempestivo, o Tribunal é colocado na circunstância de, periodicamente, questionar a Executada sobre se já procedeu ao pagamento e simultaneamente questionar a Executada sobre se já recebeu esse mesmo pagamento.
Bastará, por exemplo, uma simples auditoria aos processos de execução de julgados pendentes no TAF do Porto para aferir que o Tribunal é investido pela Administração Tributária numa posição de verdadeiro “mediador”, indevidamente instrumentalizado para a dilação no tempestivo cumprimento de uma decisão judicial.
Ora, para além das evidentes entorses aos princípios da igualdade, proporcionalidade e justiça, é colocado em causa o princípio da tutela jurisdicional efectiva – na medida em que o Contribuinte é colocado na circunstância de esperar indefinidamente pelo cumprimento do julgado.
De resto, uma larga maioria dos processos de execução de julgados findam por inutilidade superveniente da lide – precisamente porque apenas na pendência do processo (e por causa dela) a Administração Tributária decide cumprir a sentença. Nas demais situações, minoritárias, o Tribunal é colocado na posição de repetir a condenação que já constava, por norma explicitamente, da decisão exequenda.
Concomitantemente, muito do labor do Tribunal poderia ser significativamente reduzido com a simplificação do processo de execução de julgados quando aplicável a decisões do foro tributário, ou pelo menos estabelecendo-se a imediata tramitação do processo nos casos em que inexiste fundamento válido para oposição.
No que tange à morosidade do processo e pese embora os artigos 171.º e 177.º do CPTA estabeleçam o prazo de 20 dias para prolacção de decisão, na prática verifica-se que os processos de execução de julgados podem estar pendentes por prazos superiores a um ano.
Por outro lado, e relacionado precisamente com a pendência dos processos executivos - sobretudo motivada pela posição adoptada pela Administração Tributária e pela inércia do Tribunal na prolacção da correspondente sentença – verifica-se uma completa desarticulação com a natureza urgente de alguns processos.
Com efeito, sendo certo que, por exemplo, a reclamação de actos, omissões e decisões do órgão de execução fiscal, nos termos do artigo 276.º sgs do CPPT, reveste natureza urgente, a sequente execução coerciva do julgado perde essa natureza – colocando indelevelmente em causa a tutela jurisdicional peticionada ao Tribunal.



  1. Cumulação de impugnações

Actualmente o artigo 104.º do CPPT lei fala de cumulação de pedidos quando o que existe, em rigor, é uma cumulação de impugnações. A cumulação de pedidos, em sentido próprio, existe quando, como referido supra, na impugnação o contribuinte peticiona a anulação do acto tributário juntamente com a condenação da Administração no pagamento de juros indemnizatórios ou na indemnização pelos encargos incorridos com a indevida prestação de garantia.
A epígrafe do artigo 104.º do CPPT deveria, portanto, ser alterada em conformidade.
No que respeita à cumulação de impugnações, a mesma já foi considerada aceite pela Jurisprudência, pese embora num quadro legal que, a meu ver, não o permitia.
Decidiu-se no Ac. STA de 24.10.2012, proc. n.º 0747/12, que a impugnação judicial é a forma processual adequada para apreciação da legalidade da decisão de indeferimento de recurso hierárquico interposto de decisão de improcedência de pedido de revisão de liquidações adicionais de IRC e IVA, estando a acção administrativa especial reservada para a impugnação de actos que não comportem a apreciação de actos de liquidação (als. a) e j) do art. 101° da LGT e al. p) do nº 1 do art. 97º do CPPT). Para assim concluir, refere o Supremo Tribunal que “O facto de as impugnações respeitarem a IVA e a IRC - sendo o IVA um imposto sobre a despesa e o IRC um imposto sobre o rendimento – não obsta ao prosseguimento dos autos, pois que em ambos os casos se está perante tributos com a natureza de impostos (artigo 104.º do CPPT).

Todavia, em sentido inverso ao decidido, na LOE 2010 concedeu-se autorização legislativa no seguinte sentido: «Devem ser alargadas ao processo judicial tributário as possibilidades de cumulação de pedidos e de coligação de autores, incluindo a cumulação de pedidos respeitantes a tributos diferentes quando resultem da mesma acção de inspecção, e de apensação ou agregação de processos.» - o qua constitui evidência de que, face à pretendida alteração, o quadro legal vigente à data não permitia a cumulação de impugnações.
Haverá de notar-se, ademais, que os pressupostos para a sindicância conjunta de diferentes actos tributários não se encontra uniformemente definida, como deveria, na reclamação graciosa e na impugnação judicial.
Ora, para que a cumulação seja possível é necessário que se verifiquem três requisitos, cumulativamente:
a) Identidade da natureza dos tributos;
b) Identidade dos fundamentos de facto e de direito invocados; e
c) Identidade do tribunal competente para a decisão.
Os requisitos relativos à identidade dos fundamentos de facto e de direito invocados e do tribunal competente para a decisão correspondem à necessidade de assegurar a unidade do objeto processual, isto é, a proibição de cumular impugnações cuja análise não importe a apreciação dos mesmos factos e a aplicação das mesmas disposições jurídicas, ou que a apreciação correspondesse à competência de diferentes tribunais.
Assim, no contencioso tributário existem requisitos comuns ao contencioso administrativo e ao processo civil - aliás não faria qualquer sentido admitir a cumulação processual quando falte a unidade de causa de pedir, quando não esteja em causa a apreciação dos mesmos factos ou interpretação e aplicação das mesmas normas jurídicas, ou quando se esteja perante questões que pertencem à competência de diferentes tribunais, em razão da competência internacional, em razão da competência interna quanto às regras, do território, hierarquia, ou valor.
Portanto, a única especificidade no contencioso tributário no que tange à cumulação processual em sede de impugnação judicial, face ao processo civil e ao contencioso administrativo, reside no requisito da identidade da natureza dos tributos.
Todavia, nos termos do artigo 71º do CPPT, permite-se também a “cumulação de pedidos” – ou seja, a cumulação de reclamações, em caso de “identidade do tributo” e não já em face da “identidade da natureza dos tributos”.
Deste modo, a cumulação no âmbito da reclamação graciosa, parece ser mais exigente do que na impugnação judicial, na medida em que exige que esteja em causa o mesmo tributo.
Todavia, afigura-se que o legislador não terá pretendido qualquer diferenciação de regimes entre a reclamação graciosa e a impugnação judicial – desde logo porque o pedido é o mesmo, os fundamentos são também os mesmos, sendo igualmente certo que a decisão de indeferimento do procedimento de reclamação graciosa é passível de impugnação judicial (arts. 70.º n.º 1, 76.º 99.º e 102.º n.º 2 do CPPT).
Deste modo, não faria sentido que o legislador permitisse no mesmo meio procedimental aquilo que proíbe na sequente impugnação judicial.
Como assim, em prol da segurança jurídica, da tutela jurisdicional e da unidade e coerência do sistema jurídico, julgo que importa compatibilizar os pressupostos da cumulação em ambos os regimes – para, pelo menos, evitar (mais uma) potencial discussão jurisdicional


  1. Impugnação de actos administrativos em matéria tributária

Desde a LOE 2014 que o artigo Art. 68.º n.º 20 LGT estabelece que são passíveis de recurso contencioso autónomo as decisões da administração tributária relativas:
a) À inexistência dos pressupostos para a prestação de uma informação vinculativa ou a recusa de prestação de informação vinculativa urgente; ou
b) À existência de uma especial complexidade técnica que impossibilite a prestação da informação vinculativa; ou
c) Ao enquadramento jurídico-tributário dos factos constantes da resposta ao pedido de informação vinculativa.

Ao apontar para o “recurso contencioso”, está em causa, portanto, matéria objecto de acção administrativa. Note-se que, até então, a informação vinculativa não era encarada como um acto administrativo e tampouco um acto destacável – pese embora entenda que nos casos de recusa da informação nos termos das alíneas a) e b) se afigure clara, mesmo à luz da lei antiga, a sindicabilidade judicial da decisão tomada.
Ainda assim, e no que respeita ao conteúdo da própria informação vinculativa, a jurisprudência já apontava no sentido de que, quando fosse imediatamente lesiva, a informação era passível de impugnação contenciosa (Ac. STA de 05.01.2012, proc. n.º 01011/11).
Sendo a questão agora incontroversa, na medida em que se estabelece expressamente a reacção contenciosa quer quanto aos pressupostos, quer quanto ao conteúdo da informação vinculativa, surge a questão de aferir qual o seu (real) sentido útil na maior parte das situações.
Isto, desde logo, porque ao invés do que seria recomendável, a acção administrativa não tem carácter urgente.
Como refere a jurisprudência “Ao permitir uma discussão prévia da lei tributária, o mecanismo da informação vinculativa opera como filtro pré-judicial, serve à prevenção de conflitos que de outro modo iriam sobrecarregar o contribuinte, os serviços e os Tribunais.” (Ac. TCAS de 22.11.2011, proc. n.º 03013/09).
Ora, situações existem em que o teor da informação vinculativa estabelece os pressupostos para o reconhecimento de direitos em matéria tributária.
Com efeito, estabelece o Art. 17.º do D.L. n.º 215/89, de 01.07 que «antes de verificados os pressupostos dos benefícios fiscais previstos na lei, podem os interessados requerer (...) que se pronunciem sobre uma dada situação tributária ainda não concretizada».
De igual modo, estabelece o artigo 59.º n.º 3 e) da LGT que a colaboração da Administração Tributária com os Contribuintes compreende «a informação vinculativa sobre as situações tributárias ou os pressupostos ainda não concretizados dos benefícios fiscais».
Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 57.º do CPPT, deve «a entidade competente para a decisão conformar-se com o anterior despacho, na medida em que a situação hipotética objecto do pedido de informação vinculativa coincida com a situação de facto objecto do pedido de reconhecimento».
Logo, pelo menos nestes casos, faria sentido que a acção administrativa apresentada contra o teor de uma informação vinculativa tivesse carácter urgente.

Finalmente, cumpre notar que a intimação para a consulta de documentos e passagem de certidões se encontra consagrada no CPPT como meio processual acessório, enquanto a sua homóloga intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões (arts. 104.º e ss. do CPTA) está enquadrada como processo principal e urgente. Ora se é aplicável subsidiariamente ao CPPT o regime previsto do CPTA, faria sentido que a intimação para a consulta de documentos e passagem de certidões fosse configurada como meio principal com carácter urgente.
Estabelece o artigo 268.º, n.º 4 da CRP, a vinculação do legislador ordinário no sentido de criar “medidas cautelares adequadas” - o que pressupõe que, em caso de perigo de lesão, o contribuinte possa pedir a providência cautelar adequada a assegurar o efeito útil do processo principal.
Ora, penso que deveria salvaguardar-se neste domínio a ocorrência de qualquer lesão, e não apenas da “lesão irreparável” que o artigo 147.º n.º 6 do CPPT consagra – sendo certo que o contencioso tributário não reveste de qualquer especificidade materialmente relevante, face ao contencioso administrativo, susceptível de justificar uma restrição das garantias cautelares com esta abrangência.


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