Inconstitucionalidade da Tributação Autónoma - encargos com despesas de representação e encargos com viaturas ligeiras de passageiros
Num recente acórdão, de
20.06.2012, o Tribunal Constitucional veio julgar pela inconstitucionalidade da
norma do artigo 5.º da Lei n.° 64/2008, de 5 de Dezembro, relativa à tributação
autónoma incidente sobre as despesas de representação e encargos com viaturas
ligeiras de passageiros.
Recorde-se que a referida Lei
n.º 64/2008 entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, mas pretendeu
que a produção de efeitos retroagisse ao dia 1 de Janeiro de 2008.
Assim, a norma em causa, veio introduzir, na prática, um agravamento da taxa de tributação autónoma aplicável aos encargos com despesas de representação e encargos com viaturas ligeiras de passageiros que, à data da sua entrada em vigor, já haviam sido realizados no decurso do ano de 2008 e até à data em que a lei iniciou a sua vigência.
Recorde-se, igualmente, que, por acórdão de 12.01.2011, dado
no proc. n.º 18/2011, o Tribunal Constitucional, havia julgado, outrossim, pela
não inconstitucionalidade da norma em causa.
O Tribunal Constitucional não
declarou inconstitucional o artigo 5.º da Lei n.° 64/2008, porquanto entendeu
que essa norma operou um agravamento fiscal em relação a factos tributários que
não ocorreram totalmente no domínio da lei antiga, e que continuam a formar-se
ainda no decurso do mesmo ano fiscal, na vigência da nova lei.
Ou seja, entendeu que, embora
existindo retroactividade, tratar-se-ia de uma retroactividade inautêntica, não
coberta pela regra do artigo 103.º, n.º 3 CRP
Para tanto, o Tribunal
Constitucional entendeu, em suma, que o artigo 103.º, n.º 3 da CRP, apenas
estabelece a proibição da retroactividade autêntica da lei fiscal, e, portanto,
apenas abrange os casos em que o facto tributário (que a lei nova pretende
abranger) já produziu todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga. O Tribunal
Constitucional traça, deste modo, a delimitação entre a chamada retroactividade
inautêntica, que tem lugar naquelas situações em que a lei é aplicada a factos
passados, cujos efeitos ainda perduram no momento de inicio de vigência da lei
nova - como é o caso quando a lei é aprovada até ao final do ano a que
corresponde o imposto.
Chamado, uma vez mais, a
pronunciar-se sobre o tema, veio agora o Tribunal Constitucional a concluir
pela inconstitucionalidade da norma do artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º
64/2008, de 5 de dezembro,
na parte em que faz retroagir a 1 de janeiro de 2008 a alteração do artigo 81.º, n.º 3, alínea a) do Código do Imposto sobre o Rendimento das
Pessoas Coletivas, consagrada no artigo 1.º-A do aludido diploma legal, por
violação do n.º 3 do artigo 103.º da Constituição.
Eis um excerto do referido
acórdão:
«(…) é manifesto que se está perante uma hipótese de aplicação retroativa do
disposto no artigo 81.º, n.º 3, do CIRC, na redação
introduzida pela Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, ou
seja, aplicação de lei nova a factos tributários de natureza instantânea, já
completamente formados, anteriores à data da sua entrada em vigor.
Com efeito, o facto gerador da
obrigação fiscal – a realização de despesas de representação ou com viaturas
ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos, no período de 1
janeiro de 2008 até à entrada em vigor da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro (6
de dezembro de 2008) – ocorre indubitavelmente antes da publicação da lei nova,
não sendo possível entender que se está perante um facto jurídico-fiscal
complexo de formação sucessiva.
A aplicação da nova lei a este facto
ocorrido anteriormente à sua aprovação envolve, pois, uma retroactividade
autêntica.
O que releva, face aos princípios
constitucionais enunciados, não é o momento de liquidação de um imposto, mas
sim o momento em que ocorre o ato que determina o pagamento desse imposto. É
esse ato que vai dar origem à constituição de uma obrigação tributária, pelo
que é nessa altura, em obediência ao princípio da legalidade, na vertente
fundamentada pelo princípio da proteção da confiança, que se exige, como medida
preventiva, que já se encontre em vigor a lei que prevê a criação ou o
agravamento desse imposto, de modo a que o cidadão possa equacionar as consequências
fiscais do seu comportamento.
Uma vez que a alteração efetuada ao
artigo 83.º, n.º 3, do CIRC, através da Lei n.º
64/2008, de 5 de dezembro, veio aumentar a taxa de tributação
autónoma aplicável a despesas de representação e com viaturas, agravando a
situação dos contribuintes abrangidos, estava-lhe vedada uma eficácia
retroativa.
Contudo, como vimos, embora a
referida Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, tenha entrado
em vigor em 6 de dezembro de 2008, o seu artigo 5.º, n.º 1, determinou que tal
alteração produzia efeitos a partir de 1 de janeiro de 2008.
Ora, tendo já ocorrido o facto que
deu origem à obrigação tributária posteriormente agravada por lei nova, as
razões que presidiram à consagração da regra de proibição da retroatividade
neste domínio estão integralmente presentes, uma vez que importa prevenir o
risco abstrato de que a lei publicada com retroação de efeitos provoque agravos
financeiros desrazoáveis, pela impossibilidade em que se encontravam os
contribuintes afetados, vinculados a tais factos já ocorridos, de prever e
prover quanto às suas consequências tributárias, determinadas por lei futura.
Assim, não pode a lei, sob pena de
violação da proibição imposta no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, agravar
o valor da taxa de tributação autónoma, relativamente a despesas já efetuadas
aquando da sua entrada em vigor, pelo que, tendo a norma do artigo 5.º, n.º 1,
da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, determinado a
retroação de efeitos a 1 de janeiro de 2008 da alteração do artigo 81.º, n.º 3,
do CIRC, violou a referida proibição constitucional.»