segunda-feira, julho 02, 2012

Inconstitucionalidade da Tributação Autónoma - encargos com despesas de representação e encargos com viaturas ligeiras de passageiros


Num recente acórdão, de 20.06.2012, o Tribunal Constitucional veio julgar pela inconstitucionalidade da norma do artigo 5.º da Lei n.° 64/2008, de 5 de Dezembro, relativa à tributação autónoma incidente sobre as despesas de representação e encargos com viaturas ligeiras de passageiros.

Recorde-se que a referida Lei n.º 64/2008 entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, mas pretendeu que a produção de efeitos retroagisse ao dia 1 de Janeiro de 2008.

Assim, a norma em causa, veio introduzir, na prática, um agravamento da taxa de tributação autónoma aplicável aos encargos com despesas de representação e encargos com viaturas ligeiras de passageiros que, à data da sua entrada em vigor, já haviam sido realizados no decurso do ano de 2008 e até à data em que a lei iniciou a sua vigência.

Recorde-se, igualmente, que, por acórdão de 12.01.2011, dado no proc. n.º 18/2011, o Tribunal Constitucional, havia julgado, outrossim, pela não inconstitucionalidade da norma em causa.

O Tribunal Constitucional não declarou inconstitucional o artigo 5.º da Lei n.° 64/2008, porquanto entendeu que essa norma operou um agravamento fiscal em relação a factos tributários que não ocorreram totalmente no domínio da lei antiga, e que continuam a formar-se ainda no decurso do mesmo ano fiscal, na vigência da nova lei.
Ou seja, entendeu que, embora existindo retroactividade, tratar-se-ia de uma retroactividade inautêntica, não coberta pela regra do artigo 103.º, n.º 3 CRP

Para tanto, o Tribunal Constitucional entendeu, em suma, que o artigo 103.º, n.º 3 da CRP, apenas estabelece a proibição da retroactividade autêntica da lei fiscal, e, portanto, apenas abrange os casos em que o facto tributário (que a lei nova pretende abranger) já produziu todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga. O Tribunal Constitucional traça, deste modo, a delimitação entre a chamada retroactividade inautêntica, que tem lugar naquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados, cujos efeitos ainda perduram no momento de inicio de vigência da lei nova - como é o caso quando a lei é aprovada até ao final do ano a que corresponde o imposto.

Chamado, uma vez mais, a pronunciar-se sobre o tema, veio agora o Tribunal Constitucional a concluir pela inconstitucionalidade da norma do artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, na parte em que faz retroagir a 1 de janeiro de 2008 a alteração do artigo 81.º, n.º 3, alínea a) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, consagrada no artigo 1.º-A do aludido diploma legal, por violação do n.º 3 do artigo 103.º da Constituição.

Eis um excerto do referido acórdão:
«(…) é manifesto que se está perante uma hipótese de aplicação retroativa do disposto no artigo 81.º, n.º 3, do CIRC, na redação introduzida pela Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, ou seja, aplicação de lei nova a factos tributários de natureza instantânea, já completamente formados, anteriores à data da sua entrada em vigor.
Com efeito, o facto gerador da obrigação fiscal – a realização de despesas de representação ou com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos, no período de 1 janeiro de 2008 até à entrada em vigor da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro (6 de dezembro de 2008) – ocorre indubitavelmente antes da publicação da lei nova, não sendo possível entender que se está perante um facto jurídico-fiscal complexo de formação sucessiva.
A aplicação da nova lei a este facto ocorrido anteriormente à sua aprovação envolve, pois, uma retroactividade autêntica.
O que releva, face aos princípios constitucionais enunciados, não é o momento de liquidação de um imposto, mas sim o momento em que ocorre o ato que determina o pagamento desse imposto. É esse ato que vai dar origem à constituição de uma obrigação tributária, pelo que é nessa altura, em obediência ao princípio da legalidade, na vertente fundamentada pelo princípio da proteção da confiança, que se exige, como medida preventiva, que já se encontre em vigor a lei que prevê a criação ou o agravamento desse imposto, de modo a que o cidadão possa equacionar as consequências fiscais do seu comportamento.
Uma vez que a alteração efetuada ao artigo 83.º, n.º 3, do CIRC, através da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, veio aumentar a taxa de tributação autónoma aplicável a despesas de representação e com viaturas, agravando a situação dos contribuintes abrangidos, estava-lhe vedada uma eficácia retroativa.
Contudo, como vimos, embora a referida Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, tenha entrado em vigor em 6 de dezembro de 2008, o seu artigo 5.º, n.º 1, determinou que tal alteração produzia efeitos a partir de 1 de janeiro de 2008.
Ora, tendo já ocorrido o facto que deu origem à obrigação tributária posteriormente agravada por lei nova, as razões que presidiram à consagração da regra de proibição da retroatividade neste domínio estão integralmente presentes, uma vez que importa prevenir o risco abstrato de que a lei publicada com retroação de efeitos provoque agravos financeiros desrazoáveis, pela impossibilidade em que se encontravam os contribuintes afetados, vinculados a tais factos já ocorridos, de prever e prover quanto às suas consequências tributárias, determinadas por lei futura.
Assim, não pode a lei, sob pena de violação da proibição imposta no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, agravar o valor da taxa de tributação autónoma, relativamente a despesas já efetuadas aquando da sua entrada em vigor, pelo que, tendo a norma do artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, determinado a retroação de efeitos a 1 de janeiro de 2008 da alteração do artigo 81.º, n.º 3, do CIRC, violou a referida proibição constitucional.»

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