quinta-feira, janeiro 12, 2012

Equipas Extraordinárias de Juízes Tributários

Foi publicado em Diário da República a Lei n.º 59/2011, que cria equipas extraordinárias de juizes tributários no Tribunal Tributário de Lisboa e no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, destinada a reduzir os processos pendentes.

http://dre.pt/pdf1sdip/2011/11/22800/0509205093.pdf

A equipa extraordinária do Tribunal Tributário de Lisboa é composta por quatro juízes e a do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto será composta por três magistrados, com a missão de movimentarem os processos fiscais de valor superior a um milhão de euros pendentes nos respectivos tribunais.

Nos termos da lei podem também ser redistribuídos às equipas os processos fiscais de valor superior a um milhão de euros pendentes noutros tribunais.

A criação das equipas tem carácter excepcional e tem a duração máxima de um ano, podendo, contudo, ser prorrogada pelo período necessário, por deliberação do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, se os fins para os quais as equipas são criadas não tiverem sido plenamente alcançados.

Nos termos de uma deliberação do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, de 14.12.2011, a equipa extraordinária de juízes iniciou funções no passado dia 04.01.2012.

Os processos serão distribuídos por espécie e ano, e mediante sorteio. Contudo a quota de processos de cada juiz serão preenchidos prioritariamente com processos de que já eram titulares no tribunal de origem.

A criação das equipas extraordinárias de juizes tributários surge na sequência dos compromissos assumidos pelo Governo, em matéria de justiça, no âmbito do programa de auxilio financeiro. Efectivamente, o programa de auxilio estabelecia a "necessidade de eliminar as pendências nos tribunais tributários", especialmente nos processos de valor superior a um milhão de euros.

http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c324679626d56304c334e706447567a4c31684a5355786c5a793944543030764d554e425130524d5279394562324e31625756756447397a5357357059326c6864476c3259554e7662576c7a633246764c3246695a6d45314e57466b4c5451344f574d744e4445304f4330354d324e6c4c544e6a5a444a6a4f446c6a4e6d497a4e4335775a47593d&fich=abfa55ad-489c-4148-93ce-3cd2c89c6b34.pdf&Inline=true

A criação de equipas extraordinárias de juízes para decidir processos de valor superior a um milhão de euros prender-se-á com a noção de que os tribunais fiscais, pela morosidade na resolução dos litígios, estão a provocar um estrangulamento de meios financeiros.

Paula Teixeira da Cruz, Ministra da Justiça, revelou que, actualmente, os processos fiscais pendentes constituem 70,79% do valor pendente da jurisdição fiscal, o que traduz um valor global de 10,5 mil milhões de euros.

Ora, se o propósito de agilizar a resolução de processos fiscais se prende com a intenção de recuperar meios financeiros e de os colocar a circular na economia, é perceptível e louvável a criação destas equipas extraordinárias de juízes.

No entanto, se essa criação se relaciona, apenas, com a preocupação de recuperar receita para o Estado, a realidade demonstra que, em lugar de recuperar meios financeiros, o Estado terá de desembolsar esses mesmos meios – quer com a restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, quer com a indemnização pelos encargos suportados com a prestação de garantia indevida, quer com o pagamento de custas judiciais.

A este respeito, recuperamos aqui um post de Outubro de 2009, baseado numa notícia do jornal i, que dava conta de que a Administração Tributária perde 50 a 75% dos processos fiscais.

«O volume de processos de impugnação de liquidações tem aumentado todos os anos, mantendo-se elevados níveis de acções perdidas pelo Estado. Embora a Direcção-Geral dos Impostos, que dispõe de dados nacionais, não divulgue os números, o cruzamento de elementos de vários tribunais tributários revela níveis de decisão negativa para o fisco sempre superiores a 50% e, nalguns casos, equivalentes a três acções perdidas em cada quatro.

Como a Justiça não dispõe de dados globais de todos os tribunais administrativos e fiscais, o i procurou cruzar os números obtidos em relatórios parciais com as estatísticas da Direcção-Geral de Impostos. As perguntas do i, feitas há duas semanas, permaneceram sem resposta. Nomeadamente no que diz respeito ao volume total e montantes em causa nos processos perdidos.No final de 2008, estavam pendentes 39.263 processos na área tributária, em todo o país.

Para se ter uma ideia aproximada dos valores em discussão, no ano anterior o presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, Santos Serra, tinha-os estimado em 13 mil milhões de euros. Como os valores por processo são muito díspares, qualquer tentativa de cálculo é abusiva, mas é fácil perceber os milhões que o Estado perde (ou deixa de ganhar) na barra dos tribunais. As contas são ainda piores quando o tribunal considera ilegal o pagamento de impostos que já tinham sido liquidados. Nesse caso, a administração tributária é obrigada a devolver os valores com juros indemnizatórios à taxa de 4% ao ano, contados diariamente. Mais uma parcela para dificultar estas complexas contas: o tempo médio das decisões ronda os cinco anos.».

sexta-feira, janeiro 06, 2012

A venda de participações da família Soares dos Santos para uma subsidiária na Holanda

A venda de 56% da participação do maior accionista da Jerónimo Martins a uma sucursal com sede na Holanda é a notícia que actualmente faz parangonas nos jornais e que tem gerado um autêntico turbilhão de reacções por parte dos mais variados responsáveis dos partidos com assento na Assembleia da República - alguns dos quais chegam a solicitar que o Governo se pronuncie sobre o assunto.
Solicitar ao Governo que se pronuncie sobre decisões, inalienáveis e insindicáveis, de gestão de uma empresa privada já seria, por si só, absurdo.
Mas pior é pretender que essa decisão se prende com "fuga de capitais", "evasão" ou "elisão" fiscal, sem, sequer, analisar os motivos subjacentes à operação e, sobretudo, sem perceber qual o impacto fiscal da mesma.
Como é sabido o regime fiscal holandês é dos mais perenes, o que constitui uma indiscutível e preciosa garantia de estabilidade para operadores económicos e investidores. Acresce que a Holanda tem uma multiplicidade de acordos sobre dupla tributação, que atribuem flexibilidade às decisões operacionais e de investimento das empresas.
Ora, quando se fala de um grupo económico nacional que se encontra alavancado em operações, de conhecimento público, noutro pais europeu (Cadeia de retalho alimentar "Biedronka", na Polónia) e quando a estratégia empresarial passa por alargar a base de operações a nível internacional; quando os bancos portugueses não têm meios para financiar operações de grande volume e quando as instituições financeiras mundiais exigem que os financiamentos seja efectuados através de sucursais holandesas (pelos motivos já referidos), é fácil constatar que qualquer gestor minimamente diligente, actuando, como deve actuar, em prol do interesse dos accionistas, tomaria a decisão de executar a operação em causa.
Acresce que, no plano fiscal, o impacto na arrecadação de receita por parte do fisco português é nulo.
O artigo que se segue, resume a questão na perfeição:

«Entrámos no novo ano empolgados pelas notícias que dão conta do êxodo de grandes grupos empresariais rumo a paragens fiscalmente menos onerosas, alegadamente na fuga aos impostos e às alterações ao regime das Sociedades de Gestão de Participações Sociais (SGPS).

São confrangedoras as imprecisões técnicas escritas por alguns jornalistas e comentadores, a este respeito, e que são tristemente repetidas a nível do debate político. É terrível que se debatam assuntos tão importantes com base em tão pouco conhecimento técnico e é assustador verificar que poucos, nessa discussão, procuram informar-se antes de opinarem.

Para começar, a deslocalização das holdings de grupos portugueses para outras jurisdições europeias não tem as vantagens fiscais apontadas.

Por um lado, as sociedades holdings sedeadas noutros estados da UE beneficiam, grosso modo, de um regime de isenção fiscal análogo ao regime das SGPS. Por outro lado, as sociedades operativas destes grupos empresariais continuam em Portugal, a pagar os seus impostos, a criar postos de trabalho e a realizar as contribuições sociais devidas.

Da mesma forma, os seus accionistas portugueses, continuam a pagar, em Portugal, os seus impostos sobre os dividendos que recebem, à mesma taxa (agora elevada a 25%) quer estes lhes sejam pagos por uma sociedade portuguesa ou europeia.

A única vantagem fiscal relevante relaciona-se com a tributação dos dividendos provenientes de sociedades localizadas fora da UE, mas não é necessário, e seria oneroso e imprudente, deslocalizar toda a estrutura de uma holding portuguesa já existente para se aproveitar esse regime fiscal, em particular porque existem opções bem mais simples, e absolutamente lícitas, de obter os mesmos resultados.

Esta discussão, desinformada, deu origem à convicção generalizada de que as SGPS servem exclusivamente para evitar o pagamento de impostos. Esta convicção tem duas consequências nefastas. Por um lado, criou tal constrangimento político que incapacitou o Governo de adoptar as medidas tecnicamente correctas para a tributação dos rendimentos típicos das SGPS. Por outro lado, a eminência da tomada de medidas penalizadoras, gerou tal incerteza nos grupos empresariais que os está a "empurrar" para fora do País.

O nosso sistema fiscal, em linha com a generalidade dos sistemas fiscais da União Europeia, isenta de imposto os dividendos pagos entre sociedades com participações relevantes. Este regime aplica-se, sujeito aos mesmos requisitos, tanto às SGPS como às demais sociedades portuguesas. A vantagem das SGPS é que beneficiam também de uma isenção sobre as mais-valias auferidas na transmissão de participações sociais.

Ao contrário daquilo que é comummente afirmado, se em algo peca o regime geral (aplicável à generalidade das sociedades) é por ser escasso. É que, a generalidade dos estudos internacionais sobre política fiscal, não só dão por assumida a necessidade de se eliminar a dupla tributação de dividendos, como ainda recomendam que o mesmo tratamento fiscal seja concedido às mais-valias.

Ou seja, enquanto se discute, de forma leviana e demagógica, a eliminação das "vantagens" concedidas às SGPS ou à tributação dos dividendos (ao grande capital, na terminologia de alguns sectores da bancada parlamentar), sólidas razões de política fiscal apontam no sentido inverso, i.e. o de aplicar o regime de isenção das SGPS à generalidade das sociedades.

Não se pense que esta é uma "ideia peregrina". Foi esta a solução adoptada em países onde a consciência e responsabilidade social atinge os níveis mais elevados à escala global. Ora, se assim não fosse, como aceitaria um sueco ou um dinamarquês, que suportam a maior carga fiscal efectiva sobre os seus rendimentos, o facto das suas sociedades "não pagarem impostos" sobre os dividendos ou as mais-valias?

Esta discussão, e algumas alterações legislativas implementadas pelo anterior Governo, geraram uma incerteza incomportável sobre aspectos técnicos absolutamente consolidados a nível europeu. A título de exemplo, pense-se que em Outubro de 2011, em virtude de alterações introduzidas na legislação fiscal nesse mesmo ano, ainda era desconhecido qual seria o regime fiscal aplicável à distribuição de dividendos intra-grupo, pairando a ameaça de duplas e triplas tributações sobre o mesmo rendimento.

Perante este cenário parece-nos que, caso o Governo não tenha a coragem política para tomar as decisões tecnicamente correctas e não seja capaz de transmitir a necessária confiança aos nossos empresários, a "deslocalização" das nossas holdings será um processo imparável. Fá-lo-ão não para evitar impostos, mas simplesmente para obter a segurança jurídica sobre princípios basilares de qualquer sistema fiscal moderno e prevenir a imposição de medidas incorrectas, injustas, tomadas por razões puramente demagógicas e fundadas em meras crenças políticas.

Haja coragem para fazer frente a argumentos de pura demagogia política e adoptem-se as medidas adequadas!


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