sexta-feira, janeiro 06, 2012

A venda de participações da família Soares dos Santos para uma subsidiária na Holanda

A venda de 56% da participação do maior accionista da Jerónimo Martins a uma sucursal com sede na Holanda é a notícia que actualmente faz parangonas nos jornais e que tem gerado um autêntico turbilhão de reacções por parte dos mais variados responsáveis dos partidos com assento na Assembleia da República - alguns dos quais chegam a solicitar que o Governo se pronuncie sobre o assunto.
Solicitar ao Governo que se pronuncie sobre decisões, inalienáveis e insindicáveis, de gestão de uma empresa privada já seria, por si só, absurdo.
Mas pior é pretender que essa decisão se prende com "fuga de capitais", "evasão" ou "elisão" fiscal, sem, sequer, analisar os motivos subjacentes à operação e, sobretudo, sem perceber qual o impacto fiscal da mesma.
Como é sabido o regime fiscal holandês é dos mais perenes, o que constitui uma indiscutível e preciosa garantia de estabilidade para operadores económicos e investidores. Acresce que a Holanda tem uma multiplicidade de acordos sobre dupla tributação, que atribuem flexibilidade às decisões operacionais e de investimento das empresas.
Ora, quando se fala de um grupo económico nacional que se encontra alavancado em operações, de conhecimento público, noutro pais europeu (Cadeia de retalho alimentar "Biedronka", na Polónia) e quando a estratégia empresarial passa por alargar a base de operações a nível internacional; quando os bancos portugueses não têm meios para financiar operações de grande volume e quando as instituições financeiras mundiais exigem que os financiamentos seja efectuados através de sucursais holandesas (pelos motivos já referidos), é fácil constatar que qualquer gestor minimamente diligente, actuando, como deve actuar, em prol do interesse dos accionistas, tomaria a decisão de executar a operação em causa.
Acresce que, no plano fiscal, o impacto na arrecadação de receita por parte do fisco português é nulo.
O artigo que se segue, resume a questão na perfeição:

«Entrámos no novo ano empolgados pelas notícias que dão conta do êxodo de grandes grupos empresariais rumo a paragens fiscalmente menos onerosas, alegadamente na fuga aos impostos e às alterações ao regime das Sociedades de Gestão de Participações Sociais (SGPS).

São confrangedoras as imprecisões técnicas escritas por alguns jornalistas e comentadores, a este respeito, e que são tristemente repetidas a nível do debate político. É terrível que se debatam assuntos tão importantes com base em tão pouco conhecimento técnico e é assustador verificar que poucos, nessa discussão, procuram informar-se antes de opinarem.

Para começar, a deslocalização das holdings de grupos portugueses para outras jurisdições europeias não tem as vantagens fiscais apontadas.

Por um lado, as sociedades holdings sedeadas noutros estados da UE beneficiam, grosso modo, de um regime de isenção fiscal análogo ao regime das SGPS. Por outro lado, as sociedades operativas destes grupos empresariais continuam em Portugal, a pagar os seus impostos, a criar postos de trabalho e a realizar as contribuições sociais devidas.

Da mesma forma, os seus accionistas portugueses, continuam a pagar, em Portugal, os seus impostos sobre os dividendos que recebem, à mesma taxa (agora elevada a 25%) quer estes lhes sejam pagos por uma sociedade portuguesa ou europeia.

A única vantagem fiscal relevante relaciona-se com a tributação dos dividendos provenientes de sociedades localizadas fora da UE, mas não é necessário, e seria oneroso e imprudente, deslocalizar toda a estrutura de uma holding portuguesa já existente para se aproveitar esse regime fiscal, em particular porque existem opções bem mais simples, e absolutamente lícitas, de obter os mesmos resultados.

Esta discussão, desinformada, deu origem à convicção generalizada de que as SGPS servem exclusivamente para evitar o pagamento de impostos. Esta convicção tem duas consequências nefastas. Por um lado, criou tal constrangimento político que incapacitou o Governo de adoptar as medidas tecnicamente correctas para a tributação dos rendimentos típicos das SGPS. Por outro lado, a eminência da tomada de medidas penalizadoras, gerou tal incerteza nos grupos empresariais que os está a "empurrar" para fora do País.

O nosso sistema fiscal, em linha com a generalidade dos sistemas fiscais da União Europeia, isenta de imposto os dividendos pagos entre sociedades com participações relevantes. Este regime aplica-se, sujeito aos mesmos requisitos, tanto às SGPS como às demais sociedades portuguesas. A vantagem das SGPS é que beneficiam também de uma isenção sobre as mais-valias auferidas na transmissão de participações sociais.

Ao contrário daquilo que é comummente afirmado, se em algo peca o regime geral (aplicável à generalidade das sociedades) é por ser escasso. É que, a generalidade dos estudos internacionais sobre política fiscal, não só dão por assumida a necessidade de se eliminar a dupla tributação de dividendos, como ainda recomendam que o mesmo tratamento fiscal seja concedido às mais-valias.

Ou seja, enquanto se discute, de forma leviana e demagógica, a eliminação das "vantagens" concedidas às SGPS ou à tributação dos dividendos (ao grande capital, na terminologia de alguns sectores da bancada parlamentar), sólidas razões de política fiscal apontam no sentido inverso, i.e. o de aplicar o regime de isenção das SGPS à generalidade das sociedades.

Não se pense que esta é uma "ideia peregrina". Foi esta a solução adoptada em países onde a consciência e responsabilidade social atinge os níveis mais elevados à escala global. Ora, se assim não fosse, como aceitaria um sueco ou um dinamarquês, que suportam a maior carga fiscal efectiva sobre os seus rendimentos, o facto das suas sociedades "não pagarem impostos" sobre os dividendos ou as mais-valias?

Esta discussão, e algumas alterações legislativas implementadas pelo anterior Governo, geraram uma incerteza incomportável sobre aspectos técnicos absolutamente consolidados a nível europeu. A título de exemplo, pense-se que em Outubro de 2011, em virtude de alterações introduzidas na legislação fiscal nesse mesmo ano, ainda era desconhecido qual seria o regime fiscal aplicável à distribuição de dividendos intra-grupo, pairando a ameaça de duplas e triplas tributações sobre o mesmo rendimento.

Perante este cenário parece-nos que, caso o Governo não tenha a coragem política para tomar as decisões tecnicamente correctas e não seja capaz de transmitir a necessária confiança aos nossos empresários, a "deslocalização" das nossas holdings será um processo imparável. Fá-lo-ão não para evitar impostos, mas simplesmente para obter a segurança jurídica sobre princípios basilares de qualquer sistema fiscal moderno e prevenir a imposição de medidas incorrectas, injustas, tomadas por razões puramente demagógicas e fundadas em meras crenças políticas.

Haja coragem para fazer frente a argumentos de pura demagogia política e adoptem-se as medidas adequadas!


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