terça-feira, fevereiro 23, 2010

Pagamento Especial Por Conta - a sua ilegalidade

Chegou a ser anunciada, em Novembro de 2009, a extinção do PEC pelo Orçamento de Estado de 2010 - o que não se veio a verificar porque, de acordo com as declarações do Ministro das Finanças ao Diário Económico, “Se algumas das propostas que estão sobre a mesa e que foram apresentadas na Assembleia da República forem para a frente, com consequências que eu acho muito significativas em termos da despesa, eu diria que, com esses agravamentos da despesa que resultam dessas propostas, eu não vejo forma de podermos reduzir o défice sem termos que recorrer a aumentos de impostos".
Ou seja, em nome da consolidação das contas públicas, manteve-se o regime fiscal dos PEC – não obstante as sucessivas críticas de que tem sido alvo desde a sua criação, nos idos de 1996.
Numa altura em que o pagamento especial por conta (PEC) volta a estar na ordem do dia, convirá relembrar a jurisprudência firmada pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28.10.2008, dado no processo n.º 02500/08.
Ali reconheceu o Tribunal que poderemos estar perante situações de inconstitucionalidade quando, por exemplo, o PEC funcione como colecta mínima obrigatória, pelo facto de o contribuinte, não obstante não ter tido qualquer actividade no exercício anterior ou o respectivo volume de negócios ter sido inferior a 1% do valor fixado como mínimo, ser sempre obrigado a fazer o pagamento especial por conta pelo montante mínimo de 1.250,00 euros, nos termos do artigo 98.º, n.º 2, do CIRC. Tal constatação não deixa de ser curiosa, atento o facto de os defensores do PEC invocarem precisamente que, em rigor, este configura uma colecta mínima e não de um adiantamento de imposto nos cofres do Estado.
Ora, em tais casos, o artigo 98.º do CIRC deverá ser compatibilizado com os princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real ínsito nos artigos 4.º da LGT e 104.º, n.º 2, da CRP.
Aqui fica um trecho do referido Acórdão:
«(...) o pagamento especial por conta foi introduzido no Código do IRC pelo Dec-Lei n.° 198/2001, de 3 de Julho, por cujo art.° 1.° aprovou, entre outras, a revisão do Código do IRC, tendo a seguinte redacção na norma do seu art.° 98.°:
1 - Sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.°1 do artigo 96, os sujeitos passivos aí mencionados, excepto os abrangidos pelo regime simplificado previsto no artigo 53.°, ficam sujeitos a um pagamento especial por conta, a efectuar durante o mês de Março ou, em duas prestações, durante os meses de Março e Outubro do ano a que respeita ou, no caso de adoptarem um período de tributação não coincidente com o não civil, no 3.° mês e no 10.° mês do período de tributação respectivo.
2- O montante do pagamento especial por conta é igual à diferença entre o valor correspondente a 1% do respectivo volume de negócios, com o limite mínimo de 100.000$00 (€ 498,80) e máximo de 300.000$00 (€ 1496,39) , e o montante dos pagamentos por conta efectuados no ano anterior.
3 - Para efeitos do disposto no número anterior, o volume de negócios é determinado com base no valor das vendas e ou dos serviços prestados, realizados até ao final do exercício anterior, podendo ser rectificado no ano seguinte se se verificar que foi distinto do que serviu de base ao respectivo cálculo.
…..
Conjugando tais normas deste artigo com as do art.° 96.°, n.°s 1 e 2, nas suas várias alíneas, do mesmo CIRC, vemos que o pagamento especial por conta não constitui nenhuma nova forma de apuramento da tributação das empresas, ao lado das já existentes, mas apenas uma forma de antecipação das receitas por conta de uma tributação, a operar no futuro, com base nas regras aplicáveis a cada caso de tributação previsto no mesmo Código, com excepção dos contribuintes abrangidos pelo regime simplificado, como a mesma norma expressamente afasta, constituindo tal forma de arrecadação dos tributos mais uma antecipação do seu pagamento, ao lado do também existente pagamento por conta, previsto no art.° 96.° do mesmo Código, sendo todas elas formas de pagamento por conta do imposto que a final do período de tributação venha ser devido, encontrando-se estas duas formas de pagamento sistematicamente inseridas, justamente, no Capítulo VI do Código, subordinada à epígrafe Pagamento, não sendo mais do que um pagamento por conta do imposto que vier a ser liquidado segundo as regras próprias da tributação aplicáveis, mas em cuja liquidação não interfere, como também expressamente consagra a norma do art.° 33.° da LGT, ao dispor que as entregas pecuniárias antecipadas que sejam efectuadas pelos sujeitos passivos no período de formação do facto tributário constituem pagamentos por conta do imposto devido a final.

Assim sendo como nos parece ser, tais normas que prevêm tais pagamentos especiais por conta, na medida em que não impõem nenhuma nova forma de apuramento do tributo devido, a final, ao lado das demais, não poderão violar a norma do art.° 104.° n.°2 da CRP, que dispõe que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.

E nem os vários índices ou critérios de determinação do montante a pagar antecipadamente, por conta do tributo a liquidar, constantes dos n. °s 2 e 3 do mesmo art.° 98.° do Código do IRC, se poderão ver como novas formas de apuramento do lucro tributável, como a decisão recorrida supõe, antes se esgotando no fim para que foram criados - erigir um critério para fixar o montante a pagar por cada uma das prestações desse pagamento especial por conta - assumindo sempre a feição de pagamento por conta de um imposto que no final do período de tributação venha ser devido, altura em que se procederá ao necessário encontro de contas, do imposto devido, apurado pelas regras legais que ao caso forem aplicáveis, repete-se, com os montantes que o contribuinte já tenha pago.

Por outro lado, como consta nas várias normas do art.° 99.° do mesmo Código, o contribuinte pode sempre limitar as suas entregas especiais por conta do imposto decido, ao montante do imposto que julga vier a ser devido no final do período de tributação, desta forma ficando salvaguardada a hipótese de o contribuinte ter de efectuar pagamentos por conta que no final lhe teriam de ser devolvidos por serem de montante superior ao tributo devido, não se colocando por isso a questão, da norma do art.° 98.° do mesmo Código impor, pagamentos por conta do imposto que a final o contribuinte sabe não serem devidos, cabendo ao contribuinte fazer uso das regras contidas no art.° 99.° do mesmo Código, se assim o entender, de forma a que não venha a entregar mais imposto por conta do que aquele que a final lhe vier a ser liquidado.

Porém, tal pagamento especial por conta já pode funcionar como colecta mínima naqueles casos em que o contribuinte não teve qualquer actividade no exercício anterior ou o respectivo volume de negócios foi inferior a 1% ao valor fixado como mínimo (100.000$, € 498,80), e não obstante é sempre obrigado a fazer esta primeira entrega, pelo montante mínimo, devendo ser este um dos casos em que tais normas devem merecer uma interpretação conforme à Constituição, no sentido de compatibilizar o seu sentido e alcance com as normas constitucionais, designadamente com a do art.° 104.° n.°2 da CRP, podendo haver ofensa do princípio da capacidade contributiva ao impor-se um pagamento especial por conta que ao fim acaba por funcionar como uma colecta mínima para uma empresa que não teve qualquer actividade, não tendo pois, gerado quaisquer lucros.

Estamos assim com a recorrente, ao citar o ilustre fiscalista, Dr. Saldanha Sanches, sobre o pagamento especial por conta, em artigo publicado na revista Fiscalidade n.° 15 (2003), ao escrever:
Em primeiro lugar não é em si mesma inconstitucional a imposição de pagamentos por conta, enquanto antecipações do imposto devido.
….
Simplesmente, a existência de pagamentos por conta, rendimentos legais e colectas mínimas tem que se compatibilizar com o princípio, constitucionalmente consagrado a propósito do imposto sobre o rendimento das empresas, da tributação do lucro real (art.° 104.° n.°2 da Constituição), enquanto expressão do princípio mais vasto da capacidade contributiva.

Se, tendo em conta os corolários do princípio do lucro real na matéria que nos ocupa, pode concluir-se que as disposições legais que estabelecem e regulam os pagamentos especiais por conta não são genericamente inconstitucionais, parece certo que, sob pena de tal ocorrer, carecerão pelo menos de uma interpretação conforme à Constituição. E, em determinados casos marginais será mesmo possível sustentar a sua inconstitucionalidade parcial.
Ilustrando, depois, então esses casos marginais, que haverá inconstitucionalidade do pagamento especial por conta em situações em que o sujeito passivo possa demonstrar que a antecipação do pagamento do imposto para um momento anterior àquele em que normalmente ocorreria (...) ou o seu montante implicará consequências intoleráveis na saúde ou na subsistência da empresa.».

Numa futura ocasião regressaremos à analise do regime legal dos PEC, tentanto demonstrar, em traços gerais, a sua ilegalidade e inconstitucionalidade.

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quinta-feira, fevereiro 04, 2010

SIS quer ter acesso aos dados do fisco sobre os contribuintes


O Ministério das Finanças recebeu um projecto de protocolo enviado pelo SIS para ter acesso à informação fiscal.
O Serviço de Informação de Segurança (SIS) quer ter acesso aos dados dos contribuintes portugueses e enviou ao Ministério das Finanças um projecto de protocolo em que prevê o acesso à base de dados da Direcção-Geral dos Impostos (DGCI). As finanças, em resposta ao Diário Económico, apenas esclarecem sobre este assunto que no futuro próximo não se encontra prevista a assinatura de qualquer protocolo entre a DGCI e o SIS, mas não adiantam se no futuro tal não poderá acontecer.
Lei prevê a celebração de protocolos para acesso de dados, mas com respeito pelos dados privadosO Serviço de Informações de Segurança (SIS) quer ter acesso aos dados dos contribuintes através das bases de dados da Direcção Geral dos Impostos (DGCI) e da Direcção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros (DGITA).O Diário Económico sabe que deu entrada no Ministério das Finanças um projecto de protocolo que previa o acesso aos dados da DGCI e a possibilidade de esta permitir o acesso às informações da DGITA. Perante esta informação, fonte oficial das Finanças afirma que “no futuro próximo, não se encontra prevista a assinatura de qualquer protocolo entre a DGCI e o SIS”, não esclarecendo se e quando o projecto será reanalisado. O SIS tem como missão proteger a segurança interna e prevenir a sabotagem, terrorismo e espionagem. Cabem na sua actividade, a investigação sobre espionagem e criminalidade económicas, terrorismo, tráfico de droga e armas, por exemplo.A lei 9 / 2007, que estabelece a orgânica do SIS, prevê que esta entidade possa celebrar protocolos com entidades públicas para ter acesso a informação relevante para a realização das investigações e que os serviços da Administração Pública devem dar a colaboração solicitada. No entanto, a mesma lei refere que o serviço de informações de segurança não pode desenvolver actividades que coloquem em causa os direitos previstos na Constituição. O presidente do Conselho de Fiscalização do SIS, Marques Júnior, afirma desconhecer o conteúdo do protocolo com a DGCI, mas afirma que “nunca poderá colocar em causa a privacidade das pessoas”. “Qualquer protocolo feito tem de respeitar este princípio”, acrescentou. No mesmo sentido, o fiscalista da PLMJ, João Maricoto Monteiro considera que a questão pode levantar algumas questões “quanto à sua constitucionalidade, de preservação da vida privada”. O especialista refere que “tem de se ver o enquadramento do protocolo para se perceber se, por um lado, não há violação do direito à vida privada e, por outro, se não se está a usar a `capa’ de crime fiscal para apurar outras questões de mera regularização tributária”.Para ser aplicado, a DGCI poderá pedir a opinião prévia da Comissão Nacional da Protecção de Dados, mas “não deu entrada na CNPD qualquer pedido, por parte da DGCI, quanto à possibilidade de o SIS ter acesso geral, aberto e permanente à informação fiscal dos contribuintes detida pela DGCI”. Contacto pelo Diário Económico, o SIS não respondeu às questões colocadas.Nos últimos anos, têm sido tomadas medidas que levantaram questões em relação ao sigilo dos dados dos contribuintes e que geraram grande polémica. Foi o caso da lista de devedores do Fisco, do levantamento do sigilo bancário e da obrigatoriedade de declarar no IRS as contas bancárias detidas no exterior.
PS demarca-se de “big brother” fiscal
Publicação de rendimentos brutos com objecções de constitucionalidade.Antes de ser já não o era. A divulgação online de rendimentos brutos de todos os contribuintes, apelidada como uma espécie de “big brother” ou “striptease” fiscal, é objecto de contestação dos partidos políticos da oposição com assento parlamentar e coloca dúvidas de constitucionalidade a especialistas. A proposta é da autoria dos três vices da direcção da bancada do PS, mas, afinal, não conta com o apoio do Partido.José Strecht Ribeiro, Afonso Candal e Mota Andrade, já acautelaram, porém, que o projecto “só responsabiliza os proponentes” e “vai ser entregue na comissão de acompanhamento da corrupção”. Defendem na proposta que os rendimentos brutos anualmente declarados pelos contribuintes devem ser divulgados publicamente, na Internet. A medida, ontem noticiada pelo Diário de Notícias, acabaria de ser afastada por Francisco Assis: “Não me reconheço nos pressupostos dessa iniciativa. Essa é a posição do PS (…) ela não será apresentada”. A posição surge depois da divulgação do projecto ter gerado uma onda de reacções à direita e esquerda, recusando a proposta. Enquanto o líder do CDS, Paulo Portas, a classificava como “striptease fiscal”, o PSD pela voz do deputado Miguel Frasquilho apelidava de “desajustada”. À esquerda, o deputado bloquista, José Guilherme Gusmão recordou ao Diário Económico o chumbo do projecto do BE - que contava com o apoio do socialista Vera Jardim - com vista ao levantamento do sigilo bancário. Em causa, diz, estavam informações que poderiam ser usadas de forma “mais eficaz e apenas pela administração fiscal”, não representando a violação dos direitos de privacidade. Já o PCP insistiu também que o combate à corrupção passa pela eliminação do segredo bancário.
Dúvidas de constitucionalidadeA proposta dos três vices do grupo parlamentar do PS acabou por suscitar, desde logo, dúvidas de constitucionalidade. Jorge Miranda não tem dúvidas em afirmar: “é uma intromissão na vida privada das pessoas. Tenho muitas dúvidas de constitucionalidade”, realçando que “o que é preciso é pôr a máquina fiscal a funcionar”. Já Bacelar Gouveia, também especialista em direito constitucional, questionou os riscos deste projecto: “até que ponto irá criar um clima de delação e agitação social?”. Sustenta tratar-se de uma medida que pode levar “o Estado a fomentar o voyeurismo” e que exige uma série de “cláusulas de salvaguarda do segredo de Estado ou de Justiça, e até mesmo dos casos de segredo profissional”.De um modo geral, diz Bacelar Gouveia, já são públicos os rendimentos brutos para os titulares de altos cargos políticos e públicos. “Existem alguns cargos públicos que são confidenciais, como é o caso dos agentes do SIS, que não podem ver colocados online os seus nomes”, conclui.
Jorge Miranda (Fundador do texto constitucional)“Não me agrada muito isso. Tenho muitas dúvidas de constitucional idade. É uma intromissão na vida privada das pessoas”
Vital Moreira (Especialista em assuntos constitucionais) "Esta medida já é aplicada noutros países, nomeadamente nos escandinavos. Não me choca que quem se candidata ou beneficia de subsídios, ou apoios públicos, tenha de tornar públicos os seus rendimentos”.

Fonte: Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.

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