Estando em curso a reforma da jurisdição administrativa e tributária, que se concentra sobretudo na
agilização e simplificação do contencioso tributário, bem como na salvaguarda
da tutela jurisdicional efectiva, merecem reflexão os seguintes pontos:
- Alçadas e valor do processo
Está em causa uma questão que não
apenas influi na tributação em custas do processo, mas igualmente na forma de
representação voluntária e, sobretudo, na possibilidade de recurso.
Nesta matéria, entendo que o
normativo que estabelece a forma de determinação do valor da acção, segundo
critérios que não atendem à especificidade do contencioso tributário, influi
indelevelmente, de forma negativa e com violação do princípio da igualdade, na
possibilidade de recurso.
1 – Até à entrada em vigor
da Lei nº 82-B/2014, em 1 de Janeiro de 2015, o artigo 105.º da LGT estabelecia
que «A lei fixará as alçadas dos tribunais tributários, sem prejuízo da
possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de este
visar a uniformização das decisões sobre idêntica questão de direito.».
A redacção dada pela LOE 2015
veio apenas definir a alçada dos tribunais tributários de primeira instância,
deixando para o CPPT a regulamentação dos casos em que é possível o recurso
para o Supremo Tribunal Administrativo.
Nos termos do artigo 31.º, n.º 1
da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, com a redacção
dada pela Lei n.º 46/2011, de 24 de Junho, a alçada dos tribunais judiciais de
primeira instância é de €5.000,00.
Assiste-se, deste modo, a um
significativo aumento da alçada e, portanto, da possibilidade geral de recurso
ordinário - já que anteriormente, nos termos do artigo 280.º n.º 4 do
CPPT, apenas não cabia recurso das decisões dos tribunais tributários de 1.ª
instância proferidas em processo de impugnação judicial ou de execução fiscal
quando o valor da causa não ultrapassasse um quarto das alçadas fixadas para os
tribunais judiciais de primeira instância (artigo 6.º, n.º 2 ETAF) - ou seja,
€1.250,00.
Note-se que, estranhamente, o
referido normativo do ETAF - na redacção dada pelo Dec.Lei nº 214-G/2015, de 2
de Outubro – não foi revogado, colocando agora em confronto duas normas com
teor manifestamente contrário, pese embora a Jurisprudência tenha considerado
que operou uma revogação tácita (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de
24 de Fevereiro de 2016, proc. n.º 01291/15).
De todo o modo, embora se trate
de replicar a alçada dos tribunais de primeira instância, haverá de notar-se
que o contencioso tributário tem características específicas que impunham
também uma ponderação diferenciada - o que, em minha opinião, claramente não
sucedeu.
Em primeiro lugar, está em causa
um verdadeiro contencioso de reacção - na medida em que, por força do acto tributário,
o contribuinte é colocado na contingência de encetar um procedimento/processo
adequado para reagir contra a ilegalidade/inexigibilidade do imposto.
Em segundo lugar, está em causa um contencioso marcadamente determinado pela
natureza do acto tributário impugnado graciosa ou contenciosamente - sobretudo
no que tange ao seu quantitativo.
Ao estabelecer anteriormente uma alçada no montante de €1.250,00, o legislador
certamente compreendeu esta especificidade do contencioso tributário,
pretendendo, desse modo, facilitar o acesso à justiça tributária - sendo que a
obrigatoriedade de constituição de advogado apenas nas causas que
ultrapassassem dez vezes a alçada do tribunal de primeira instância milita
também nesse sentido.
Com efeito, como é sabido, a obrigação fiscal é dotada de uma verdadeira
natureza constitutiva, quer porque beneficia da presunção de legalidade própria
dos actos administrativos, quer porque a sua execução não está dependente de
qualquer outra pronúncia prévia, mormente judicial, para além da constituída
pelo próprio acto tributário de liquidação.
De acordo com a regra vigente,
corre-se o (evidente, mas evitável) risco de distinguir a tutela jurisdicional
efectiva - mormente a decorrente da concessão/negação da garantia ao recurso jurisdicional
- consoante se trate de um contribuinte individual ou pessoa colectiva ou, pior
do que isso, consoante a quantia de imposto em causa. Bastará, naturalmente,
ponderar o peso relativo que uma liquidação de imposto no montante de €5.000,00
pode ter para uma pessoa colectiva e para um contribuinte individual.
Por outro lado, o estabelecimento
da regra em causa condiciona mesmo, à partida, a natureza dos actos tributários
cuja legalidade pode ser judicialmente sindicada. Atente-se, por exemplo, às colectas
de imposto municipal sobre imóveis, imposto único de circulação, ou imposto de
selo - que, na maior parte dos casos, não ultrapassam o valor de €5.000,00.
Tomando por referência o
Relatório de Combate à Fraude e Evasão Fiscal da Secretaria de Estado dos
Assuntos Fiscais é possível perceber, por exemplo, que 35% dos processos em
contencioso administrativo respeitam, precisamente, a imposto de selo, imposto
municipal sobre imóveis e imposto único de circulação.
Ora, a consideração de que, nos
termos do mesmo relatório, 65% dos recursos hierárquicos são indeferidos,
permite concluir que as questões acabam por ser dirimidas em sede judicial - e,
por força do supra referido, sem qualquer possibilidade de recurso.
2 - Estatui o artigo 6.º n.º 1 CPPT, com a redacção dada pela
LOE 2015, que é obrigatória a constituição de advogado nas causas judiciais
cujo valor exceda o dobro da alçada do tribunal tributário de 1.ª instância,
bem como nos processos da competência do Tribunal Central Administrativo e do
Supremo Tribunal Administrativo. Ou seja, por referência ao normativo em
anotação, e em termos gerais, apenas será obrigatória a constituição de
advogado nas causas superiores a €10.000,00 - sendo que a regra até agora
vigente obrigava à constituição de advogado nas causas judiciais cujo valor
excedesse o décuplo da alçada do tribunal tributário de 1.ª instância (bem como
nos processos da competência do Tribunal Central Administrativo e do Supremo
Tribunal Administrativo) - ou seja €12.500,00.
Trata-se de uma regra que não tem paralelo nem no contencioso civil, nem no
contencioso administrativo e que materializa o desígnio legislativo de
facilitar o acesso à justiça tributária.
Diferentemente, o art. 11.º, n.º 1 do CPTA, exige a constituição de
advogado em todos os processos do contencioso administrativo, o que suscita a
questão de saber se, no "recurso contencioso" referido no artigo
97.º n.º 1 p) do CPPT - ou seja, a acção administrativa especial em
matéria tributária - é ou não obrigatória a constituição de advogado.
Trata-se de mais uma, de entre
várias incongruências e incompatibilidades entre o contencioso administrativo e
o contencioso tributário, considerando que ainda não foi efectuada a
(necessária) reforma, revisão e adaptação conjunta.
O Pleno da Secção de Contencioso
Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 24 de Setembro de
2008, dado no processo n.º 0175/07, sufragou o entendimento de que não faria
sentido dispensar a constituição de advogado no âmbito da impugnação judicial,
da reclamação, do recurso hierárquico e mesmo da oposição, e exigir esse
pressuposto na acção administrativa especial em matéria de direito tributário,
quando o desígnio que está em causa é o mesmo.
3 - As regras relativas à fixação do valor da causa nos processos
tributários encontram-se actualmente no art. 97.º-A do CPPT. Em
geral, nos termos do n.º 1 do referido preceito, o valor da causa corresponde
ao do acto impugnado - concretamente: quando seja impugnada a liquidação, o
valor que se pretende anulado [alínea a)]; quando seja impugnado o acto de
fixação da matéria colectável, o valor contestado [alínea b)]; quando seja
impugnado o acto de fixação de valores patrimoniais, o valor contestado.
Ora, nos casos estabelecidos na
alínea b, constata-se que, para efeito de determinação do valor da causa, podem
estar em causa as mesmas correcções fiscais, em termos quantitativos, mas um
valor da causa completamente diverso - tanto para efeito de determinação da
alçada, quer para efeito da determinação de custas.
Basta atentar às situações em
que, malgrado a Administração Tributária proceder a avultadas correcções à
matéria colectável, tais correcções não deram origem a qualquer imposto a pagar
[art. 97.º n.º 1 b) do CPPT], considerando, por exemplo, a existência de
prejuízos fiscais reportáveis. Nestas circunstâncias, o valor da causa
corresponderia, portanto, ao valor das próprias correcções impugnadas. Agora
pense-se numa situação em que, relativamente a outro Contribuinte, a
Administração Tributária procede às mesmíssimas correcções à matéria colectável
mas, desta feita, porque o Contribuinte não tinha prejuízos fiscais reportáveis
ou os existentes apenas tinham um impacto parcial, era gerada uma liquidação de
imposto a pagar. Nesta última hipótese, e embora, reitera-se, estivesse em
causa a mesma quantificação da matéria colectável, o valor da causa
corresponderia ao valor da liquidação - que, como é bom de ver, é muitíssimo
inferior ao valor das correcções que a geraram.
Neste caso, o Tribunal é chamado
a sindicar a legalidade das mesmas correcções, eventualmente decorrentes de um
semelhante procedimento inspectivo, mas o valor da acção para efeito de alçada
e para efeito de custas seria diametralmente diferente.
Vale isto por dizer que, embora o
labor do Tribunal seja exactamente o mesmo e o objecto do processo seja também
idêntico, num caso o Contribuinte poderá interpor recurso da decisão do
Tribunal de primeira instância, já que o valor do processo corresponde ao valor
das próprias correcções, enquanto que a outro Contribuinte poderá estar vedada
a possibilidade de recurso, na medida em que o valor do processo corresponde à
(reduzida) liquidação gerada.
Haverá de considerar-se,
igualmente, os processos judiciais onde se pretenda sindicar a legalidade da
determinação do valor patrimonial tributário de um imóvel, considerando que tal
valor constitui base de incidência do IMI.
Nestes casos, e nos termos da
lei, o Contribuinte apenas poderá colocar em causa, contenciosamente, a
determinação daquele valor patrimonial, depois de esgotados os meios graciosos
previstos (Cfr. art. 134.º n.º 7 do CPPT) - sendo que, por exemplo, a
ulterior impugnação judicial não tem efeito suspensivo quanto à liquidação de
IMI (Cfr. art. 118.º n.º 1 do CIMI).
Trata-se, portanto, de uma questão
similar à da impugnação da determinação da matéria colectável, quando não dê
origem a qualquer liquidação.
A este respeito, e conforme é
entendimento da nossa melhor doutrina: «Nos casos em que é impugnado
directamente o acto de fixação da matéria colectável, referidos na alínea b) do
n.º 1 do art. 97.º-A, o benefício que se pretende obter não é equivalente ao
"valor contestado", adoptado como critério de fixação do valor, mas
sim ao imposto que deixaria de ser cobrado com a alteração do valor da matéria colectável
contestado, que será sempre muito menor que aquele.». (Jorge Lopes de
Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e
Comentado, 6.ª Edição, 2011, Áreas Editora, p. 73).
Daí que, como refere o mesmo
autor, «(…) em coerência com a opção legislativa subjacente à fixação do
valor prevista na alínea a), deveria, nestas situações de impugnação de acto de
fixação de matéria colectável, optar-se pela fixação do valor da acção em
função do valor do imposto que estaria conexionado com a matéria colectável
contestada.».
Assim, conclui, «Podem
colocar-se, aqui, problemas de compatibilidade deste critério com o princípio
constitucional da igualdade, já que a impugnação judicial de actos de fixação
da matéria colectável em que está em causa a contestação de valor idêntico terá
valor diferente para efeitos de tributação em custas, conforme seja ou não
praticado um acto de liquidação, podendo suceder mesmo que a uma mais ampla
impugnação corresponda menor valor da acção. É, assim, de aventar a inconstitucionalidade
material do critério utilizado na alínea b), à face do princípio constitucional
da Igualdade (art. 13.º da CRP).».
Por identidade de motivos, é de
aventar a inconstitucionalidade material do preceito em causa, concatenado com
a regra supra referida - por violação dos princípios da igualdade e da tutela
jurisdicional efectiva - quando, nas situações referidas, se constate que fica
totalmente inviabilizada a possibilidade de recurso em situações que, no plano
material, não faz qualquer sentido diferenciar.
Acresce que, no exemplo dado, o
contribuinte que tem prejuízos fiscais, paradoxalmente, pagará mais custas
processuais do que outro contribuinte que, colocado na mesma posição, tenha
resultados positivos.
4 - Note-se que, no regime da arbitragem tributária instituído pelo
Decreto - Lei n.º 10/2011, de 20.01.2011, embora o valor do processo para
efeito de custas arbitrais seja determinado nos termos do artigo
97.º-A do CPPT, estatui artigo 3.º n.º 3 do Regulamento das Custas nos
Processos de Arbitragem Tributária, por remissão para o artigo 2.º n.º 1 b) do
Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, que nos casos de declaração de
ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à
liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável
e de actos de fixação de valores patrimoniais, o valor da causa será o da
liquidação a que se pretende obstar. Assim, por exemplo, quando se impugna a
determinação de um valor patrimonial tributário, de acordo com as regras
plasmadas na alínea c) do n.º 1 do artigo 97.º-A CPPT, o valor da
impugnação corresponde ao valor contestado. Logo, se bem se intui o sentido do
regime em causa, quando se pretenda contestar o valor patrimonial pelo efeito
que o mesmo vai surtir numa liquidação de IMI, constata-se que, no processo
arbitral - ao invés do que sucede no processo de impugnação judicial - será o
valor da liquidação a constituir, e bem, o critério para definição do valor do
processo e das custas.
- Uniformização (completa) dos prazos de reacção
Na redacção anterior à Lei
n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (OE/2013), o artigo 102.º do CPPT estabelecia
o prazo de 90 dias para a reacção judicial, e que passou a ser de três meses.
Note-se que, por exemplo, entre
as alíneas i) e p) do mesmo artigo existia uma dissonância entre o prazo de 90
dias e o prazo de três meses.
Nessa senda, entendo que a única
interpretação plausível e coerente do artigo 102.º do CPPT vai no sentido de
que, em todos os casos mencionados nas várias alíneas do seu n.º 1, o
legislador pretendeu uniformizar os prazos de impugnação judicial com o prazo
da acção administrativa – precisamente de três meses (art. 58.º n.º 2 b) do
CPTA).
Todavia, o legislador não
vislumbrou que o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT merecia
também tratamento e atenção específico, de forma a compatibilizar o mesmo com o
prazo de reacção expressamente previsto no artigo 134.º n.º 1 do CPPT – que o
legislador terá simplesmente ignorado.
Como resulta da nossa melhor
doutrina, «Na alínea e) do n.º 1 deste art. 102.º faz-se referência aos
outros actos que possam ser objecto de impugnação autónoma «nos termos deste
Código», expressão esta reproduzida a partir da alínea e) do n.º 1 do art.
123.º do CPT, que deve ser interpretada, após a vigência da LGT, como
reportando-se à generalidade dos actos que podem ser objecto de impugnação
autónoma, incluindo os previstos neste último diploma, pois a separação de
matérias entre a LGT e o CPPT não constitui razão para existir um tratamento
diferente.» (Cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado, Áreas, Vol. II, p.
153).
Refere ainda o mesmo autor que «Assim,
aplica-se esta regra não só aos casos de impugnação autónoma previstos neste
Código (…) [actos de fixação de valores patrimoniais (art. 134.º)] mas também
aos outros casos de impugnação de actos de avaliação directa (art. 86.º, n.º 1,
da LGT).». (idem).
Ou seja, é inequívoca a
existência de uma clara incongruência do legislador.
Milita nesse sentido, também, o
facto de no n.º 4 do artigo 102.º se salvaguardar a existência de “prazos
especiais” – que, portanto, seguiriam regras distintas.
Ora, «Os prazos especiais de
impugnação, de 30 dias, preveem-se no CPPT para os casos dos actos de
indeferimento de reclamação graciosa de actos de autoliquidação (art. 131.º n.º
2), de retenção na fonte (132.º, n.º 5) e de pagamento por conta (art. 133.º
n.º 3) e actos de recusa de correcção de inscrições matriciais (art. 134.º n.º
3).» (Cfr. Jorge Lopes de Sousa, op. cit. p. 154).
Ou seja, apenas são considerados
“especiais” os referidos prazos de impugnação judicial – sendo que, no caso de
impugnação autónoma, continua a valer o artigo 102.º n.º 1 e) do CPPT.
Deste modo, tudo recomendaria a
compatibilização do artigo 102.º n.º 1 e) e 134.º n.º 1 do CPPT por forma a
debelar esta clara incongruência e de modo a conferir sentido útil àquela
primeira norma.
Aliás, a harmonização entre os
prazos de propositura de impugnação com os do contencioso administrativo e a
aplicação o regime de impugnação judicial dos actos tributários à impugnação
dos actos administrativos em questões fiscais é proposta há muito (Cfr.
Relatório do Grupo para o Estudo da Política Fiscal, Competitividade,
Eficiência e Justiça do Sistema Fiscal, Ministério das Finanças e da
Administração Pública, ponto 6.4.2, p. 52, em
http://www.ideff.pt/xms/files/GPFRelatorioGlobal_VFinal.pdf).
- Execução de Julgados
Como é sabido, no contencioso tributário
é possível cumular o pedido-tipo de anulação da liquidação do tributo com o
pedido de condenação da Administração Tributária: i) na restituição do imposto
pago, acrescido de juros ou ii) na indemnização dos encargos incorridos com a
indevida prestação de garantia.
Configurado desta forma o litígio
tributário típico, e na medida em que o mesmo seja julgado favoravelmente no
sentido defendido pelo Contribuinte, surge a questão de saber qual o prazo de
que a Administração Tributária dispõe para cumprir voluntariamente a decisão
judicial – e isto dando por assente, quanto a nós, que tal prazo se inicia a
contar do trânsito em julgado da sentença (e não de qualquer “remessa do
processo”).
A questão é pertinente porque
alguma jurisprudência tende a considerar que o prazo de execução espontânea das
sentenças e acórdãos dos Tribunais Tributários é de três meses (Cfr., por
exemplo, Ac. STA de 03.12.2008, proc. n.º 0708/08).
Ora se tal prazo encontra total
justificação em matéria administrativa, na medida em que, na sequência da
anulação do acto administrativo, a administração pública se vê frequentemente
na contingência de encetar um procedimento tendente a “reconstituir a
situação hipotética que existiria à data do trânsito em julgado, como se o acto
ilegal não tivesse sido praticado.” (Cfr. Diogo Freitas do Amaral, “A
execução da sentença dos tribunais administrativos”, 2ª ed., Coimbra, 1997).
Dispõe o artigo 173.º n.º 1 do
CPTA que a anulação de um acto administrativo constitui a Administração no
dever de: (i) reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não
tivesse sido praticado; (ii) de dar cumprimento aos deveres que não tenha
cumprido com fundamento no acto entretanto anulado, por referência à situação
jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado; ou no
dever de (iii) substituir do acto ilegal por outro acto administrativo, sem
reincidência nas ilegalidades anteriormente cometidas.
De facto, «(…) a execução da
sentença anulatória do acto administrativo consiste na prática pela
Administração - a quem incumbe tirar as consequências da anulação - dos actos e
operações materiais necessárias à reintegração da ordem jurídica violada de
molde a que seja restabelecida a situação que o interessado tinha à data do
acto ilegal e a reconstituir, se for caso disso, a situação que o mesmo teria
se o acto não tivesse sido praticado.» (Ac. TCAN, de 14.06.2007, dado no
proc. n.º 00407/06.0BEPNF).
Todavia, como constitui recorte
específico do contencioso tributário, está em causa sindicar a legalidade de um
acto administrativo que materializa uma ablação patrimonial do administrado e
que, por isso, se traduz no dever de pagamento de uma determinada quantia.
Por conseguinte, a execução
coerciva do julgado que determina a anulação desse acto passa tembém ele,
inevitavelmente, pelo pagamento de uma quantia – seja por restituição do
imposto e acrescido (caso o administrado tenha optado por pagar o tributo),
seja pelo pagamento de uma quantia indemnizatória (caso o administrado tenha
optado por prestar garantia idónea).
Assim sendo, como é, a
Administração Tributária está na posse de todos os elementos necessários para a
reconstituição da situação tributária, afigurando-se evidente que para
concretizar os necessários actos materiais – mormente a anulação da liquidação
e o processamento de nota de crédito contendo o imposto indevidamente exigido,
acrescido de juros – é perfeitamente suficiente o prazo de 30 dias (sobretudo
em face da total informatização da máquina administrativa).
Vale isto por dizer que, para a
correcta adaptação do contencioso tributário ao processo de execução de
julgados regulado no CPTA, importa desde logo definir expressamente que a execução
do julgado tributário deve ser voluntariamente feita no prazo de 30 dias (como
dispõe o artigo 175.º n.º 3 do CPTA) e não no prazo de três meses.
Para assim concluir basta atender
ao teor (redundante) da decisão de um processo de execução de julgados em
matéria tributária. De facto, o Tribunal que proferiu a decisão exequenda – e,
portanto, com a anulação da liquidação, condenou a Administração Tributária,
por exemplo, na restituição do imposto ao Contribuinte acrescido de juros
(decisão que deveria ser cumprida no prazo de 30 dias) – vê-se na contingência
de proferir uma nova decisão em que condena a Administração Tributária…na
restituição do imposto ao Contribuinte acrescido de juros, no mesmo prazo de 30
dias (art. 179.º n.º 4 CPTA).
Na prática, a execução de
julgados tal como se encontra configurada, e sendo aplicada ao contencioso
tributário sem qualquer ajuste à sua especificidade, coloca o Tribunal na
circunstância de praticar um acto inútil – vgr. nova condenação no pagamento,
que já resultava da sentença exequenda e que, como tal, se impunha directamente
à Administração Tributária por força do disposto nos artigos 158.º e 159.º do
CPTA.
Acresce que a própria tramitação
do processo de execução de julgados é ele próprio moroso, e redundante, na medida
em que, por norma, a “oposição” apresentada pela Fazenda Pública se
circunscreve à afirmação de que foram encetados os meios tendentes ao
cumprimento do julgado, com o compromisso de “oportunamente” se dar nota desse
cumprimento ao Tribunal. Desta forma, e pese embora a Administração Pública não
apresente oposição e, em lugar disso, confesse o incumprimento tempestivo, o
Tribunal é colocado na circunstância de, periodicamente, questionar a Executada
sobre se já procedeu ao pagamento e simultaneamente questionar a Executada
sobre se já recebeu esse mesmo pagamento.
Bastará, por exemplo, uma simples
auditoria aos processos de execução de julgados pendentes no TAF do Porto para
aferir que o Tribunal é investido pela Administração Tributária numa posição de
verdadeiro “mediador”, indevidamente instrumentalizado para a dilação no
tempestivo cumprimento de uma decisão judicial.
Ora, para além das evidentes
entorses aos princípios da igualdade, proporcionalidade e justiça, é colocado
em causa o princípio da tutela jurisdicional efectiva – na medida em que o
Contribuinte é colocado na circunstância de esperar indefinidamente pelo
cumprimento do julgado.
De resto, uma larga maioria dos
processos de execução de julgados findam por inutilidade superveniente da lide
– precisamente porque apenas na pendência do processo (e por causa dela) a
Administração Tributária decide cumprir a sentença. Nas demais situações,
minoritárias, o Tribunal é colocado na posição de repetir a condenação que já
constava, por norma explicitamente, da decisão exequenda.
Concomitantemente, muito do labor
do Tribunal poderia ser significativamente reduzido com a simplificação do
processo de execução de julgados quando aplicável a decisões do foro
tributário, ou pelo menos estabelecendo-se a imediata tramitação do processo
nos casos em que inexiste fundamento válido para oposição.
No que tange à morosidade do
processo e pese embora os artigos 171.º e 177.º do CPTA estabeleçam o prazo de
20 dias para prolacção de decisão, na prática verifica-se que os processos de
execução de julgados podem estar pendentes por prazos superiores a um ano.
Por outro lado, e relacionado
precisamente com a pendência dos processos executivos - sobretudo motivada pela
posição adoptada pela Administração Tributária e pela inércia do Tribunal na
prolacção da correspondente sentença – verifica-se uma completa desarticulação
com a natureza urgente de alguns processos.
Com efeito, sendo certo que, por
exemplo, a reclamação de actos, omissões e decisões do órgão de execução fiscal,
nos termos do artigo 276.º sgs do CPPT, reveste natureza urgente, a sequente
execução coerciva do julgado perde essa natureza – colocando indelevelmente em
causa a tutela jurisdicional peticionada ao Tribunal.
- Cumulação de impugnações
Actualmente o artigo 104.º do
CPPT lei fala de cumulação de pedidos quando o que existe, em rigor, é uma
cumulação de impugnações. A cumulação de pedidos, em sentido próprio, existe
quando, como referido supra, na impugnação o contribuinte peticiona a anulação
do acto tributário juntamente com a condenação da Administração no pagamento de
juros indemnizatórios ou na indemnização pelos encargos incorridos com a
indevida prestação de garantia.
A epígrafe do artigo 104.º do
CPPT deveria, portanto, ser alterada em conformidade.
No que respeita à cumulação de
impugnações, a mesma já foi considerada aceite pela Jurisprudência, pese embora
num quadro legal que, a meu ver, não o permitia.
Decidiu-se no Ac. STA de
24.10.2012, proc. n.º 0747/12, que a impugnação judicial é a forma processual
adequada para apreciação da legalidade da decisão de indeferimento de recurso
hierárquico interposto de decisão de improcedência de pedido de revisão de
liquidações adicionais de IRC e IVA, estando a acção administrativa especial
reservada para a impugnação de actos que não comportem a apreciação de actos de
liquidação (als. a) e j) do art. 101° da LGT e al. p) do nº 1 do art. 97º do
CPPT). Para assim concluir, refere o Supremo Tribunal que “O facto de as
impugnações respeitarem a IVA e a IRC - sendo o IVA um imposto sobre a despesa
e o IRC um imposto sobre o rendimento – não obsta ao prosseguimento dos autos,
pois que em ambos os casos se está perante tributos com a natureza de impostos
(artigo 104.º do CPPT).”
Todavia, em sentido inverso ao
decidido, na LOE 2010 concedeu-se autorização legislativa no seguinte sentido:
«Devem ser alargadas ao processo judicial tributário as possibilidades de
cumulação de pedidos e de coligação de autores, incluindo a cumulação de
pedidos respeitantes a tributos diferentes quando resultem da mesma acção de
inspecção, e de apensação ou agregação de processos.» - o qua constitui
evidência de que, face à pretendida alteração, o quadro legal vigente à data
não permitia a cumulação de impugnações.
Haverá de notar-se, ademais, que
os pressupostos para a sindicância conjunta de diferentes actos tributários não
se encontra uniformemente definida, como deveria, na reclamação graciosa e na
impugnação judicial.
Ora, para que a cumulação seja
possível é necessário que se verifiquem três requisitos, cumulativamente:
a) Identidade da natureza dos
tributos;
b) Identidade dos fundamentos de
facto e de direito invocados; e
c) Identidade do tribunal
competente para a decisão.
Os requisitos relativos à
identidade dos fundamentos de facto e de direito invocados e do tribunal
competente para a decisão correspondem à necessidade de assegurar a unidade do
objeto processual, isto é, a proibição de cumular impugnações cuja análise não
importe a apreciação dos mesmos factos e a aplicação das mesmas disposições
jurídicas, ou que a apreciação correspondesse à competência de diferentes
tribunais.
Assim, no contencioso tributário
existem requisitos comuns ao contencioso administrativo e ao processo civil -
aliás não faria qualquer sentido admitir a cumulação processual quando falte a
unidade de causa de pedir, quando não esteja em causa a apreciação dos mesmos
factos ou interpretação e aplicação das mesmas normas jurídicas, ou quando se
esteja perante questões que pertencem à competência de diferentes tribunais, em
razão da competência internacional, em razão da competência interna quanto às
regras, do território, hierarquia, ou valor.
Portanto, a única especificidade
no contencioso tributário no que tange à cumulação processual em sede de
impugnação judicial, face ao processo civil e ao contencioso administrativo,
reside no requisito da identidade da natureza dos tributos.
Todavia, nos termos do artigo 71º
do CPPT, permite-se também a “cumulação de pedidos” – ou seja, a cumulação de
reclamações, em caso de “identidade do tributo” e não já em face da “identidade
da natureza dos tributos”.
Deste modo, a cumulação no âmbito
da reclamação graciosa, parece ser mais exigente do que na impugnação judicial,
na medida em que exige que esteja em causa o mesmo tributo.
Todavia, afigura-se que o
legislador não terá pretendido qualquer diferenciação de regimes entre a
reclamação graciosa e a impugnação judicial – desde logo porque o pedido é o
mesmo, os fundamentos são também os mesmos, sendo igualmente certo que a
decisão de indeferimento do procedimento de reclamação graciosa é passível de
impugnação judicial (arts. 70.º n.º 1, 76.º 99.º e 102.º n.º 2 do CPPT).
Deste modo, não faria sentido que
o legislador permitisse no mesmo meio procedimental aquilo que proíbe na
sequente impugnação judicial.
Como assim, em prol da segurança
jurídica, da tutela jurisdicional e da unidade e coerência do sistema jurídico,
julgo que importa compatibilizar os pressupostos da cumulação em ambos os
regimes – para, pelo menos, evitar (mais uma) potencial discussão jurisdicional
- Impugnação de actos administrativos em matéria
tributária
Desde a LOE 2014 que o artigo
Art. 68.º n.º 20 LGT estabelece que são passíveis de recurso contencioso
autónomo as decisões da administração tributária relativas:
a) À inexistência dos
pressupostos para a prestação de uma informação vinculativa ou a recusa de
prestação de informação vinculativa urgente; ou
b) À existência de uma especial
complexidade técnica que impossibilite a prestação da informação vinculativa;
ou
c) Ao enquadramento
jurídico-tributário dos factos constantes da resposta ao pedido de informação
vinculativa.
Ao apontar para o “recurso
contencioso”, está em causa, portanto, matéria objecto de acção administrativa.
Note-se que, até então, a informação vinculativa não era encarada como um acto
administrativo e tampouco um acto destacável – pese embora entenda que nos
casos de recusa da informação nos termos das alíneas a) e b) se afigure clara,
mesmo à luz da lei antiga, a sindicabilidade judicial da decisão tomada.
Ainda assim, e no que respeita ao
conteúdo da própria informação vinculativa, a jurisprudência já apontava no
sentido de que, quando fosse imediatamente lesiva, a informação era passível de
impugnação contenciosa (Ac. STA de 05.01.2012, proc. n.º 01011/11).
Sendo a questão agora
incontroversa, na medida em que se estabelece expressamente a reacção
contenciosa quer quanto aos pressupostos, quer quanto ao conteúdo da informação
vinculativa, surge a questão de aferir qual o seu (real) sentido útil na maior
parte das situações.
Isto, desde logo, porque ao invés
do que seria recomendável, a acção administrativa não tem carácter urgente.
Como refere a jurisprudência “Ao
permitir uma discussão prévia da lei tributária, o mecanismo da informação
vinculativa opera como filtro pré-judicial, serve à prevenção de conflitos que
de outro modo iriam sobrecarregar o contribuinte, os serviços e os Tribunais.”
(Ac. TCAS de 22.11.2011, proc. n.º 03013/09).
Ora, situações existem em que o
teor da informação vinculativa estabelece os pressupostos para o reconhecimento
de direitos em matéria tributária.
Com efeito, estabelece o Art.
17.º do D.L. n.º 215/89, de 01.07 que «antes de verificados os pressupostos
dos benefícios fiscais previstos na lei, podem os interessados requerer (...)
que se pronunciem sobre uma dada situação tributária ainda não concretizada».
De igual modo, estabelece o
artigo 59.º n.º 3 e) da LGT que a colaboração da Administração Tributária com
os Contribuintes compreende «a informação vinculativa sobre as situações
tributárias ou os pressupostos ainda não concretizados dos benefícios fiscais».
Por outro lado, nos termos do
disposto no artigo 57.º do CPPT, deve «a entidade competente para a decisão
conformar-se com o anterior despacho, na medida em que a situação hipotética
objecto do pedido de informação vinculativa coincida com a situação de facto
objecto do pedido de reconhecimento».
Logo, pelo menos nestes casos,
faria sentido que a acção administrativa apresentada contra o teor de uma
informação vinculativa tivesse carácter urgente.
Finalmente, cumpre notar que a
intimação para a consulta de documentos e passagem de certidões se encontra
consagrada no CPPT como meio processual acessório, enquanto a sua homóloga
intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de
certidões (arts. 104.º e ss. do CPTA) está enquadrada como processo principal e
urgente. Ora se é aplicável subsidiariamente ao CPPT o regime previsto do CPTA,
faria sentido que a intimação para a consulta de documentos e passagem de
certidões fosse configurada como meio principal com carácter urgente.
Estabelece o artigo 268.º, n.º 4
da CRP, a vinculação do legislador ordinário no sentido de criar “medidas
cautelares adequadas” - o que pressupõe que, em caso de perigo de lesão, o
contribuinte possa pedir a providência cautelar adequada a assegurar o efeito
útil do processo principal.
Ora, penso que deveria salvaguardar-se
neste domínio a ocorrência de qualquer lesão, e não apenas da “lesão
irreparável” que o artigo 147.º n.º 6 do CPPT consagra – sendo certo que o
contencioso tributário não reveste de qualquer especificidade materialmente
relevante, face ao contencioso administrativo, susceptível de justificar uma
restrição das garantias cautelares com esta abrangência.