quinta-feira, agosto 04, 2011

Constituição de garantia idónea em processo de execução fiscal

Há precisamente um ano atrás, foi emitido o Ofício-Circulado n.º 60.076, de 29/07/2010, da Direcção de Serviços de Gestão de Créditos Tributários.

Segundo consta da exposição introdutória, este instrumento administrativo interno «(…) visa uniformizar os procedimentos e as práticas da DGCI à face da lei vigente em matéria de prestação de garantias em execução, bem como a salvaguarda do interesse público de cobrança dos créditos tributários.».

Estabelece-se, também que «O Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) não contém normas que regulem especificamente a determinação do valor dos bens oferecidos em garantia em sede de execução fiscal. Porém, essa ausência de regulamentação específica, não pode legitimar uma menor efectividade dos princípios da igualdade neste âmbito, nem decisões de carácter discricionário nesta matéria. (…) Garante-se assim o princípio da igualdade entre todos os contribuintes, a necessária uniformidade de procedimentos dos Serviços, e eliminam-se eventuais factores de discricionariedade».

Contudo, em sentido completamente inverso, a “doutrina” firmada por este oficio circulado veio precisamente fomentar práticas discricionárias da Administração Fiscal, uma vez que, agora, o órgão de execução fiscal se sente legitimado a escolher, privilegiar ou hierarquizar as garantias que hão-de ser prestadas pelos Contribuintes.

Neste contexto, o primeiro ponto do ofício circulado tem como epígrafe, precisamente, «Preferência por garantias de maior liquidez».

Ai se refere que «À face do interesse público, o órgão da Administração Tributária com competência para autorizar a constituição de garantia no processo deve dar preferência à constituição daquelas garantias que apresentem maior grau de liquidez, entendendo-se por tal aquelas cujo valor monetário subjacente seja realizável de forma mais certa, directa e imediata, em sede da respectiva execução.

Estabelece-se aqui um paralelismo com o regime legal da prioridade dos bens a penhorar, em que o legislador revela clara preferência pela penhora de certos bens, precisamente aqueles cujo valor pecuniário é mais imediatamente realizável - penhora de dinheiro, contas bancárias, créditos, etc. (n.o 1 do artigo 219.° do CPPT).

Nestes termos, deve dar-se preferência à constituição de garantia bancária, caução, ou seguro-caução.

O artigo 199.° do CPPT, no seu n.o 1, revela preferência pela constituição destes tipos de garantia, distinguindo-as positivamente das que constam do n.o 2 do mesmo artigo, ou seja, do penhor e da hipoteca voluntária, e tal deve-se ao facto de estas últimas garantias incidirem sobre bens cujo valor pecuniário é de mais incerta ou indirecta realização ou execução.

Do mesmo modo, quando não seja possível a constituição das garantias referidas no n.o 1 do artigo 199.° do CPPT, deve dar-se preferência à constituição de garantias sobre bens imóveis, sob a forma de hipoteca voluntária.

Assim, conclui a Administração Fiscal, «Apenas em caso de absoluta impossibilidade de constituição de garantia bancária, caução, seguro-caução ou, secundariamente, de hipoteca, é que se deverá admitir a constituição de garantia sobre bens móveis, como seja o caso do penhor.».

Nos termos do artigo 52.º n.º 1 e 2 da Lei Geral Tributária (LGT), a cobrança da prestação tributária suspende-se, no processo de execução fiscal, desde que, simultaneamente com a garantia contenciosa, seja prestada garantia idónea nos termos da lei tributária - disposição que, no essencial, é reproduzida no artigo 169.º n.º 1 do CPPT.

Estatui depois o artigo 199.º do CPPT que a garantia idónea consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução, ou qualquer outro meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.

Tal significa que o legislador, ao definir a idoneidade legalmente necessária da garantia a prestar para efeito da suspensão do processo executivo, apenas exigiu que a mesma fosse suficiente para assegurar o pagamento da dívida exequenda.

Ou seja, o legislador não estabeleceu qualquer hierarquia entre as garantias a prestar no processo de execução fiscal, pelo que, ao contrário do que é o entendimento da Administração Fiscal, não está na sua discricionariedade aceitar ou não a garantia oferecida pelo Contribuinte, mas apenas aferir se a mesma é idónea para garantir o bom pagamento da quantia exequenda.

E não se trata de uma matéria inserida na discricionariedade técnica da AF, uma vez que só existe poder discricionário quando se exijam determinados conhecimentos técnicos específicos – o que não é o caso na aceitação da garantia, uma vez que apenas estão em causa conhecimentos estritamente jurídicos, de interpretação e aplicação do disposto no artigo 199.º do CPPT.

É esse, aliás, o entendimento da nossa Jurisprudência:

«I - Nos termos do disposto no artº 199º do CPPT a fiança é uma das formas de garantia aí admitidas quando a lei se refere a qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.

II - O artº 199º, nº l do CPPT não confere à Administração Tributária uma escolha, pelo contrário, esta disposição determina que terão que ser aceites todas as garantias idóneas, definindo de seguida o que se deverá, exactamente, entender por garantia idónea.

III - Na fiança, o fiador obriga-se pessoalmente perante o credor ficando, em princípio, todo o seu património responsável pela satisfação do direito de crédito que este tem sobre o devedor, constituindo-se, assim, o fiador como verdadeiro devedor do credor, distinguindo-se a obrigação do fiador da obrigação do devedor, uma vez que ela é acessória da que recai sobre o principal devedor, embora tenha o mesmo conteúdo, sendo a obrigação dos dois – devedor e fiador – a mesma, havendo alternativa quanto aos sujeitos passivos da obrigação – cfr. artº 634º do CC: “A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor.”

IV – Não se estando perante qualquer margem de escolha por parte da Administração Tributária, em que esta possa livremente optar por aceitar ou não determinada garantia idónea, tal aceitação está dependente apenas de estarmos perante uma garantia susceptível de assegurar os créditos exequentes, o que se afere com base nos factos apurados nos autos, sendo a fiança prestada por uma sociedade gestora de participações sociais uma garantia idónea, desde que o património desta seja elemento indiciador da idoneidade de tal garantia.»

(Ac. TCAS, de 12.05.2010, dado no processo n.º 03966/10).

Em caso de indeferimento da prestação de outro tipo de garantia (que não a garantia bancária, seguro caução ou hipoteca) o Contribuinte poderá reagir através de uma reclamação contra actos e decisões do órgão de execução fiscal, a apresentar junto do mesmo, no prazo de 10 dias a contar da notificação do indeferimento (Cfr. art. 276.º do CPPT).

O teor integral do oficio circulado pode ser consultado em:

http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/DE11F847-5746-4142-ADFC-EEA0F609DCF9/0/OFICIO_60076_.pdf



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