quinta-feira, abril 16, 2009

(In)constitucionalidade da responsabilidade subsidiária na aplicação de coimas

Está instalada uma inusitada, e sobretudo preocupante, disparidade de julgados entre o Supremo Tribunal Administrativo e o Tribunal Constitucional.
Com efeito, o Tribunal Constitucional vem contrariar a o entendimento do Supremo Tribunal Administrativo no sentido de que os gerentes e administradores de empresas não poderiam ser responsabilizados pelo pagamento de coimas em cujo pagamento haviam sido condenadas as empresas. Espaldava-se esta Jurisprudência do STA na violação dos princípios constitucionalmente consagrados da intransmissibilidade das penas e da presunção de inocência.
Em sentido oposto julgou o TC pela não inconstitucionalidade do regime de responsabilidade civil subsidiária dos gerentes e administradores pelo pagamento das coimas aplicadas às empresas.


Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04.02.2009

«(…) a responsabilidade subsidiária em matéria de coimas é materialmente inconstitucional, por ser incompaginável com o princípio constitucional da intransmissibilidade das penas enunciado no art. 30.º, n.º 3, da CRP.
Na verdade, embora este princípio apenas esteja enunciado explicitamente quanto que a penas e não a coimas, ele é corolário do princípio da necessidade em matéria de restrição de direitos, enunciado no art. 18.º da Constituição, pois a primacial razão de ser da intransmissibilidade é a não satisfação de qualquer dos fins das penas quando as sanções são aplicadas a quem não é imputável a infracção. É que, de facto, embora a epígrafe do art. 8.º do RGIT tente camuflar esta transmissão de responsabilidade por infracções sobre a epígrafe de «Responsabilidade civil pelas multas e coimas», o certo é que, independentemente dos sofismas que se procurem imaginar numa busca obsessiva de formas de ampliar as receitas da Fazenda Pública à custa dos cidadãos, é uma realidade insofismável que quem faz o pagamento de uma sanção pecuniária é quem a está a cumprir, e que, efectuado o cumprimento por terceiro, ele deixa de ser exigível ao autor da infracção, pelo que esta responsabilização se reconduz a uma transmissão do dever de cumprimento da sanção do responsável pela infracção para outras pessoas.»

Acórdão do Tribunal Constitucional de 12.03.2009

«No caso vertente, importa ter em consideração, antes de mais, que não estamos perante uma qualquer forma de transmissão de responsabilidade penal ou tão pouco de transmissão de responsabilidade contra-ordenacional.
O que o artigo 8º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT prevê é uma forma de responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes, que resulta do facto culposo que lhes é imputável de terem gerado uma situação de insuficiência patrimonial da empresa, que tenha sido causadora do não pagamento da multa ou da coima que era devida, ou de não terem procedido a esse pagamento quando a sociedade ou pessoa colectiva foi notificada para esse efeito ainda durante o período de exercício do seu cargo.
O que está em causa não é, por conseguinte, a mera transmissão de uma responsabilidade contra-ordenacional que era originariamente imputável à sociedade ou pessoa colectiva; mas antes a imposição de um dever indemnizatório que deriva do facto ilícito e culposo que é praticado pelo administrador ou gerente, e que constitui causa adequada do dano que resulta, para a Administração Fiscal, da não obtenção da receita em que se traduzia o pagamento da multa ou coima que eram devidas.
A simples circunstância de o montante indemnizatório corresponder ao valor da multa ou coima não paga apenas significa que é essa, de acordo com os critérios da responsabilidade civil, a expressão pecuniária do dano que ao lesante cabe reparar, que é necessariamente coincidente com a receita que deixa de ter dado entrada nos cofres da Fazenda Nacional; e de nenhum modo permite concluir que tenha havido a própria transmissão para o administrador ou gerente da responsabilidade contra-ordenacional.
Por outro lado, o facto de a execução fiscal poder prosseguir contra o administrador ou gerente é uma mera consequência processual da existência de uma responsabilidade subsidiária, e não constitui, em si, qualquer indício de que ocorre, no caso, a transmissão para terceiro da sanção aplicada no processo de contra-ordenação (cfr. artigo 160º do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
Acresce que a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes assenta, não no próprio facto típico que é caracterizado como infracção contra-ordenacional, mas num facto autónomo, inteiramente diverso desse, que se traduz num comportamento pessoal determinante da produção de um dano para a Administração Fiscal.
É esse facto, de carácter ilícito, imputável ao agente a título de culpa, que fundamenta o dever de indemnizar, e que, como tal, origina a responsabilidade civil.
Tudo leva, por conseguinte, a considerar que não existe, na previsão da norma do artigo 8º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT, um qualquer mecanismo de transmissibilidade da responsabilidade contra-ordenacional, nem ocorre qualquer violação do disposto no artigo 30º, n.º 3, da Constituição, mesmo que se pudesse entender - o que não é liquido - que a proibição aí contida se torna aplicável no domínio das contra-ordenações.».

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