segunda-feira, março 05, 2007

Taxa de Justiça - O Caso Esmeralda

Toda a celeuma acerca da taxa de justiça a pagar pelos requerentes do habeas corpus no "Caso Esmeralda" foi lançada pela bombástica declaração do Juiz Jubilado Fisher Sá Nogueira no programa "Prós e Contras".
Defendia o referido Conselheiro, invocando o artigo 513º, nº 3 do Código de Processo Penal, que cada um dos requerentes do habeas corpus deveria pagar individualmente 5 UC de custas.
Ora, estabelece o dito normativo sob a epígrafe "Responsabilidade do ARGUIDO (...)" que:
"1 - É devido imposto de justiça pelo arguido quando for condenado em 1.ª instância, decair, total ou parcialmente, em qualquer recurso ou ficar vencido em incidente que requerer ou a que fizer oposição. 2 - O arguido é condenado em um só imposto de justiça, ainda que responda por vários crimes, desde que sejam julgados em um só processo. 3 - A condenação em imposto de justiça é sempre individual e o respectivo quantitativo é fixado dentro dos limites estabelecidos para o processo correspondente ao crime mais grave pelo qual o arguido for condenado."
É, portanto claro que o preceito vindo de citar se refere à responsabilidade individual dos arguidos por taxa de justiça (ou custas),prevendo-se a sua responsabilidade individual.
Ora, em prisão preventiva existia um só arguido, que não foi requerente - muito embora o pudesse ter sido, como não raras vezes sucede.
Com efeito, o habeas corpus esta previsto no art. 31º CRP, cujo n.º 2 estabelece que:
«A providência de "habeas corpus" pode ser requerida pelo próprio ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos»
Ora, é precisamente aqui que é necessário traçar a linha.
O Acórdão do STJ, apenas condenou os requerentes em custas - requerentes esses que, ao contrário do que vi defendido, NÃO SÃO SUJEITOS PROCESSUAIS.
Como é sabido sujeitos processuais em processo penal são os arguidos, assistentes, ofendidos, MP...
Assim, comparar os requerentes de habeas corpus (meros cidadãos no gozo dos seus direitos políticos), com arguidos e assistentes é, no mínimo, falta de honestidade intelectual.
O Ac. do ST J de 24.11.94, in ST J CJ 111, 261, decidiu que a taxa a pagar pelo recurso penal por vários recorrentes é individualmente devida por cada um deles, mesmo quando se coliguem para apresentar uma só motivação, devendo o recurso ser julgado deserto em relação àqueles que atempadamente não pagaram tal taxa.
Subjacente a tal decisão está o entendimento de que esses SUJEITOS PROCESSUAIS - independentemente de a motivação ser individualizada ou colectiva - veriam satisfeitos os seus interesses individuais.
Neste particular, como bem defende o Conselheiro Pereira Madeira"Não foram formalizados na petição de habeas corpus tantos interesses, e, assim, tantos pedidos individuais de que cumprisse conhecer, quantos os requerentes. Pelo contrário, todos os subscritores se conjugaram na defesa do interesse do preso, de um preso, solidarizando-se, assim, em torno de um só pedido para o que estavam legitimados (...)".
Ademais fazer uma interpretação extensiva por forma a tributar em custas os requerentes, como se de sujeitos processuais se tratasse, seria inconstitucional por violação do princípio da legalidade. É que não podemos esquecer que nos encontramos dentro da coutada do direito tributário, onde vigora a proibição de colmatação de lacunas (art. 11.º LGT).
Para terminar convirá dizer ainda que tratando-se de uma taxa, esta pressupõe por parte do Estado uma contraprestação directa - disposição de um serviço público (Ac TC de 14.03.90, BMJ 395, 106).
Esse serviço foi prestado e corporizado no Acórdão que apreciou o requerimento - o ÚNICO REQUERIMENTO.
Neste particular é indiscutível que nas taxas se exige SEMPRE uma contraprestação (prestação de um serviço público, utilização de um bem do domínio público ou remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares).
Por outro lado ainda, e no que tange ao quantitativo das custas, estabelece o artigo 223.º n.º 6 CPP que:
"Se o Supremo Tribunal de Justiça julgar a petição de habeas corpus manifestamente infundada, condena o peticionante ao pagamento de uma soma entre 6 UC e 30 UC."
Ora, parece-me claro que o preceito acabado de transcrever não tem aplicação, uma vez que se refere a condenação em custas no caso de o habeas corpus ser manifestamente infundado - o que não sucede no caso em apreço, para o que é ilucidativo o facto de ter havido um voto de vencido.
De resto, a condenação em custas foi feita ao abrigo do artigo 84.º CCJ. Basta ler o acórdão...
Estatui o referido normativo que:
«Nos incidentes de recusa, de anulação do processado, de apoio judiciário, de habeas corpus e de reclamação para a conferência, bem como noutras questões legalmente configuradas como incidentes e nas ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal do processo que devam ser tributadas segundo os princípios que regem a condenação, é devida taxa de justiça entre 1 UC e 5 UC.»
Acresce que outro principio a que devem obedecer as taxas, designadamente quanto à sua medida, é o da proporcionalidade - ao invés do que sucede nos impostos, cuja medida assenta na capacidade contributiva.
Assim, tem sempre de haver uma proporção entre o pagamento da taxa e a contraprestação - e é por isso, e só por isso - que me parece razoável e proporcional pagar 480 euros por uma decisão proferida por um colectivo de Juizes do Supremo Tribunal de Justiça.

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