quarta-feira, maio 14, 2008

Compensação das dívidas tributárias

O instituto da compensação encontra-se previsto no artigo 847.º do Código Civil, o qual estabelece que “Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor (…)”. Nessa altura verifica-se aquilo a que pode chamar-se de “encontro de contas”.

No âmbito tributário, e maugrado ser o pagamento a forma normal de extinção da obrigação de imposto, estabelece o artigo 40.º n.º 2 da Lei Geral Tributária (LGT) que também a compensação é admitida para esse efeito “nos casos especialmente previstos na lei”.

De resto, só nos idos de 1997 foi a compensação consagrada, de modo mais amplo, como forma de pagamento da prestação tributária – o que foi feito com o aditamento, ao então vigente Código de Processo Tributário, dos artigos 110.º A e B.

A matéria está actualmente regulada nos artigos 89.º e 90.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Ali se estabelece que um débito do contribuinte pode ser compensado com um crédito do mesmo perante a Administração Fiscal.

Esta compensação pode ter lugar de duas formas: ou por iniciativa do contribuinte, ou oficiosamente pela administração fiscal.

Comecemos pela primeira - que não nos parece colocar problemas de maior.

Assim, e nos termos do artigo 90.º CPPT, “A compensação com créditos tributários pode ser efectuada (…) a pedido do contribuinte, ainda que não tenha terminado o prazo de pagamento voluntário.” o que, nos termos do n.º 3 do mesmo normativo, deve ser feito mediante requerimento dirigido ao dirigente máximo da administração tributária (i.e. Ministro das Finanças).

No que tange à compensação por iniciativa da Administração Fiscal, estatui o artigo 89.º do CPPT que “Os créditos do executado resultantes de reembolso, revisão oficiosa, reclamação graciosa ou impugnação judicial de qualquer acto tributário são obrigatoriamente aplicados na compensação das suas dívidas à mesma administração fiscal (…)”.

A obrigatoriedade da compensação prende-se, como é bom de ver, com a própria lógica inerente ao funcionamento da máquina administrativa fiscal, cuja finalidade é a arrecadação de receita pública. Não faria sentido que o Fisco procedesse, por exemplo, a um reembolso de IRS quando o contribuinte reembolsado fosse, por outro lado, devedor tributário.

Todavia, estabelece também o artigo 89.º CPPT que não haverá compensação quando «(…) pender reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução da dívida exequenda ou esta esteja a ser paga em prestações, devendo a dívida exequenda mostrar-se garantida (...)”.

Verifica-se, portanto, que nestes casos se exige o preenchimento cumulativo de três pressupostos:

- que a dívida de imposto tenha sido graciosa ou contenciosamente impugnada e, logo, ainda não se encontra cabalmente definida:

- que a divida de imposto esteja devidamente garantida;

- que tenha sido encetada a execução fiscal, pois só assim faz sentido falar-se de “divida exequenda”.

É precisamente a existência de um processo de execução fiscal que pode suscitar alguns problemas em sede de compensação por iniciativa da Administração Fiscal.

É sabido que perante um acto tributário, nomeadamente de liquidação, pode o contribuinte reagir mediante reclamação graciosa, no prazo de 120 dias, ou através de impugnação judicial a interpor no prazo de 90 dias.

É também sabido que, a menos que tenha sido deduzida impugnação judicial dentro do prazo de pagamento voluntário e solicitado ao Tribunal a prestação de garantia idónea, vai ser encetado o processo de execução fiscal para cobrança coerciva da quantia de imposto liquidada.

Ora, o que não raras vezes sucede é que não está sequer esgotado o prazo de reacção graciosa ou contenciosa e já se verifica, por outro lado, a compensação de dívidas fiscais no processo executivo fiscal.

Mais: muitas vezes o contribuinte é citado para a execução fiscal, começando a correr o prazo de 30 dias para deduzir oposição à execução e requerer a prestação de garantia e, no ínterim, é efectuada a compensação – o que tem como efeito a extinção da execução fiscal e, portanto, a preclusão do direito do contribuinte reagir à mesma mediante oposição.

Tal procedimento da Administração Tributária, na medida em que condiciona e até restringe as garantias impugnatórias dos contribuintes parece violar os princípios da proporcionalidade, da igualdade e do acesso aos tribunais.

O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar sobre esta matéria, tendo decidido, no entanto, pela não inconstitucionalidade material do artigo 89.º n.º 1 CPPT, quando interpretado no sentido em que se permite a compensação uma vez esgotado o prazo de pagamento voluntário (30 dias nos termos do artigo 85.º n.º 2 CPPT) e sem que se tenha esgotado o prazo de 90 dias para deduzir impugnação judicial.

Esta interpretação não parece quadrar com a ratio legis do artigo 89.º, uma vez que o facto de ali se prever a possibilidade de a compensação não operar quando o contribuinte tenha reagido graciosa ou contenciosamente, se relaciona com o facto de a dívida tributária compensada ainda não se encontrar juridicamente consolidada.

De resto, é esse o entendimento do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, Areas, 2006. p.635) «Parece, porém, que a interpretação que se deve efectuar do n.º 1 deste artigo 89.º, não é essa, pois, a proibição de efectuar a compensação se pender reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução da dívida exequenda exprime uma intenção legislativa de a compensação só se dever efectuar relativamente a dívidas sobre as quais não haja controvérsia. Por isso, está ínsito naquele n.º 1, que a compensação não possa ser declarada enquanto não decorrerem os prazos legais de impugnação contenciosa ou administrativa do acto de liquidação da dívida em causa.».

O Supremo Tribunal Administrativo, no seu recente acórdão de 23.04.2008 (Ac. N.º 386/2005, DR II série, 18.10.2005.), vem respaldar este entendimento ao decidir que «O artigo 89.º do CPPT deve ser interpretado de forma a não se admitir a declaração de compensação de dívida de tributos por iniciativa da administração tributária enquanto não decorrerem os prazos legais de impugnação contenciosa ou administrativa do acto de liquidação da dívida em causa, sob pena de violação dos princípios da igualdade e do direito a uma tutela jurisdicional efectiva (artigos 13.º, 20.º e 268.º, n. º 4 da CRP).».

Parece-nos, pois, que finalmente se está a verificar uma inflexão da Jurisprudência nesta matéria o que, em sede das garantias dos contribuintes, é cada vez mais de louvar dados os tempos que correm.


2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Encontrei o seu blog numa pesquisa sobre "juros indemnizatórios" e gostaria de saber a sua opinião sobre o assunto abaixo indicado. Julgo que a administração fiscal e a justiça tributária tem sido abusiva na determinação da data inicial de cálculo dos juros indemnizatórios quando devidos.

Está em causa o cálculo dos juros indemnizatórios a pagar pelo Estado ao contribuinte quando está reconhecido que eles têm lugar.

A DGCI já reconheceu, através de ofício-circular n.º 60052/2006, de 3 de Outubro, que o pagamento não depende de qualquer pedido do contribuinte. A haver direito de devolução de verbas erradamente cobradas, elas são acompanhadas pelos respectivos juros indemnizatórios.

Apesar da lei (artigo 61º da CPPT) ser claríssima, está a ser aplicada uma interpretação que contraria o ali legislado.

Ou seja, um caso em que a interpretação (seguida em acórdãos, geradores de jurisprudência) supera e contraria a lei…

A verdade (contornada por aquela interpretação) é que apenas o artigo 61 da CPPT define uma data inicial de cálculo dos juros indemnizatórios se estes forem devidos.

E estes são devidos nos termos do artigo 43º da LGT.

A tal interpretação vem determinar que esse artigo 43º, ao referir que os juros indemnizatórios são devidos “quando a revisão do acto se efectuar mais de um ano após o pedido” do contribuinte, define, nessa data, o início da contagem dos juros.

Achamos ser uma interpretação abusiva e não consentânea com a lei.

Correctamente, o artigo 43º diz que não há lugar a juros indemnizatórios se a reposição da situação se verificar no prazo de um ano a contar da reclamação do contribuinte. E que a partir dessa data, há lugar ao pagamento dos mesmos. Não diz e é abusiva nesse ponto a interpretação corrente, que a contagem só se inicia aí. E é ilegal, nesse ponto, ao não se compaginar, de nenhuma forma com o que legisla o artigo 61º da CPPT.

E neste caso, nem é necessário recorrer ao senso comum que, sem dúvida, apontará para a lógica de que o prazo deverá (mesmo) contar a partir da dada do pagamento indevido. Pois essa lógica é suportada pela lei.

Quanto à interpretação corrente, não é.

Infelizmente é o que se aplica. Em detrimento do contribuinte e a favor do Estado. Ilegalmente.

terça-feira, 25 novembro, 2008  
Blogger One Blue Muppet said...

Neste instituto retrata-se mais uma vez a forma desigual como tratam os contribuintes na relação com a Administração Fiscal. Apesar de estar de acordo no essencial, acho que deveria ser possível a compensação desde que o valor fosse certo, exigível e líquido, assim se evitando "abusos de confiança", de parte a parte.

quarta-feira, 24 agosto, 2011  

Enviar um comentário

<< Home

StatCount - Traffic counter