O
Provedor de Justiça escreveu à Assembleia da República para informar os
deputados sobre queixas "prementes e graves" de contribuintes
singulares e empresas que lhe têm chegado, e às quais o Governo tem feito
orelhas moucas. A carta de Alfredo José de Sousa apresenta Paulo Núncio,
secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, como a principal causa para os
bloqueios na comunicação, e constitui a derradeira tentativa para levar as
questões a bom porto.
Na carta endereçada a Assunção Esteves, Alfredo José de Sousa fala de uma
"postura de manifesta e reiterada indisponibilidade para o diálogo do
secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e, inclusivamente, por parte do
ministro das Finanças", postura essa que tem vindo a impedir que o
Provedor faça o seu trabalho de intermediário das queixas dos cidadãos. O
Provedor de Justiça elenca quatro problemas concretos, por estes serem,
"por ora, os mais prementes e os mais graves", mas sublinha, que, "lamentavelmente",
tem muitos outros exemplos de violação do dever de colaboração por parte do
Ministério das Finanças.
Dos quatro casos descritos, três envolvem Paulo Núncio e um Vítor Gaspar.
Todos têm em comum o facto jade terem sido objecto de estudos ou tomadas de
posição por parte dos serviços técnicos, mas de ficarem bloqueados na
secretária dos responsáveis políticos, que têm ignorado os ofícios do Provedor.
Na mesma carta, Alfredo José de Sousa constata, "com pesar, que as
situações se arrastam, arrastando com elas contribuintes, cidadãos e pequenas
empresas".
O Estatuto do Provedor de Justiça diz que as entidades públicas são
obrigadas a cooperar, prestando toda a informação que lhes for solicitada, e a
sua violação configura crime de desobediência.
Contudo, as participações ao Ministério Público têm sido raras, não havendo
notícia de condenações no passado. Escrever ao Parlamento expondo os casos e
solicitando a intervenção dos deputados é, por isso, um dos derradeiros gestos
que o Provedor tem ao seu dispor.
Alfredo José de Sousa termina o seu mandato a 15 de Julho e sabe já que não
continuará no cargo. As suas declarações sugerindo a realização de eleições
antecipadas caíram mal junto dos partidos da maioria.
CASO 1
PEC degrada tesouraria das empresas
Além do IRC, as empresas estão obrigadas a entregar anualmente um pagamento
especial por conta (PEC). Se tiverem lucros fiscais, o PEC é abatido ao IRC
pago mas, se não os tiverem, o Fisco fica com o dinheiro. Para que a situação
não configure uma colecta mínima, que poderia ser inconstitucional,
estabeleceu-se que o PEC pode ser devolvido, se a empresa pedir uma inspecção
do Fisco e pagar por ela, uma regra duplamente dissuasora
A polémica arrasta-se há anos, mas a intervenção do Provedor deu-se por uma
situação concreta: uma empresa que, para ter direito ao reembolso do PEC, teve
de pagar pela inspecção uma taxa superior ao valor do próprio reembolso.
Reconhecendo a importância destes temas, o último secretário de Estado do
PS encomendou um estudo ao Centro de Estudos Fiscais com urgência. O Provedor
diz que sabe que estudo e recomendação técnica estão prontos desde 2011.
"O silêncio a que a SEAF se remeteu parece-me claramente
inaceitável", regista e surge em prejuízo da tesouraria das empresas.
CASO 2
Mãe e filha deficiente não podem 'fundir' IRS
Mãe e filha, esta última com uma deficiência profunda, vivem em economia
comum mas estão impedidas de serem consideradas como um casal para efeitos de
IRS, com o argumento de que não haveria regulamentação para o efeito.
O Provedor intercedeu junto das Finanças, argumentando que a regulamentação
para este tipo de situações é desnecessária, já que a lei define a economia
comum "a situação de pessoas que vivam em comunhão de mesa e habitação há
mais de dois anos e tenham estabelecido uma vivência em comum de entreajuda ou
partilha de recursos", entre outros argumentos. E pediu à direcção de
Serviços do IRS que revisse a sua posição ou, em alternativa, indicasse
concretamente que diligências precisam de ser tomadas para que ela se resolva.
O caso foi exposto em Abril de 2011 aos serviços do IRS e o Provedor diz ter
sabido informalmente que a resposta foi remetida por estes serviços para o
gabinete de Paulo Núncio a 16 de Novembro de 2011. Desde então, e apesar de
"diversas diligências de insistência", não obteve qualquer resposta
CASO 3
Empresas multadas por impostos que queriam pagar
Devido a inconsistências entre a informação das Finanças e da Conservatória
do Registo automóvel, várias empresas do sector automóvel foram chamados a
pagar multas por atraso IUC anos 2007 e 2008. Tentaram fazê-lo pela internet,
mas não conseguiram, porque este estava em baixo, e não puderam pagar
presencialmente porque o Fisco não o autorizou, descreve Alfredo José de Sousa
Acontece que, quando o sistema informático se restabeleceu, já o prazo tinha
expirado e o Fisco, implacavelmente, multou-as.
As entidades reclamaram em 2011 junto do Provedor, que escreveu ao
Director-geral dos Impostos em Janeiro de 2012 e Azevedo Pereira terá
respondido pouco tempo depois que a decisão já estava tomada e remetida para
sancionamento do secretário de Estado. Paulo Núncio foi directamente
interpelado, mas, segundo o Provedor de Justiça, "o nosso ofício permanece
sem resposta e, ao que julgo saber, permanecem sem resposta também as
associações queixosas e as suas associadas, obrigadas, entretanto a arcar com o
pagamento de coimas por atraso no pagamento de impostos que quiseram pagar.
CASO 4
Recibos verdes prejudicados no crédito bonificado
Na hora de decidir quem tem direito ao crédito bonificado à habitação, os
trabalhadores independentes são prejudicados em relação aos trabalhadores por
conta de outrem. A causa para a discriminação está na forma como é apurado o
rendimento anual destes profissionais, que o Provedor considera inadequado.
O assunto estava encaminhado com Teixeira dos Santos, que tinha prometido a
Alfredo José de Sousa uma alteração legislativa a corrigir a situação, de uma
forma que o Provedor considerava aceitável.
A mudança de Governo levou a que o assunto fosse retomado apenas em Agosto
de 2011 com Vítor Gaspar, mas, "não obstante inúmeras diligências de
insistência, não foi, até hoje, dada resposta", garante o responsável.
"Quase dois anos volvidos, o assunto mantém-se inalterado, em prejuízo,
uma vez mais, de agregados carenciados." Ao todo, Alfredo José de Sousa
diz já ter recebido 60 queixas.
Fonte: JN
A comunicação à Assembleia da República pode ser consultada em:
http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/Carta_AR_R-4627-09.pdf